domingo, 5 de abril de 2009

ainda Dashiell Hammett...



































Agora que já despertei a curiosidade para os livros, quero só acrescentar mais umas palavras sobre esta figura que eu acho invulgar.

Dashiell Hammett nasce no Maryland em 27 de Maio de 1894 e morre em New York em 10 de Janeiro de 1961, com um cancro no pulmão. Estuda até aos 14 anos. Faz vários trabalhos sem importância. Depois, entra para a Agência Pinkerton e trabalha como detective e, em 1922, decide começar a escrever para revistas populares, a pulp fiction, na conhecida “pulp magazine”, Black Mask, apoiando-se na sua experiência real de detective.
Hoje é considerado o pai do género policial “hard-boiled”.
(Nota: Na literatura hard-boiled, a acção prescinde dos modos cavalheirescos e da dedução fundamentada na racionalidade que sustentam personagens de obras de mistério como o Sherlock Holmes, de Conan Doyle, o Hercule Poirot, de Agatha Christie ou o Lord Peter Wimsey, de Dorothy L. Sayer . O poder dedutivo da razão é substituído pela ação física e o elemento de mistério é deslocado a favor do suspense. Violência armada, sexualidade exótica ou ilícita, a corrupção das forças sociais da lei e o perigo real ao qual o herói se submete são colocados na dianteira da narrativa. O detective particular – o mais arquetípico de todos os heróis hard-boiled – opera, nesses roteiros, como um mediador entre o submundo do crime e a sociedade respeitável. Ele pode mover-se livremente entre esses dois universos sem pertencer estritamente a nenhum deles. Nas histórias de Dashiell Hammett, a independência do detetive Sam Spade (Humphrey Bogart), protagonista de Relíquia Macabra (The Maltese Falcon, 1941), deriva de seu profissionalismo.)
É considerado o escritor que elevou o género detectivesco a literatura.
Inicia a publicação das histórias do detective Continental Op com o nome de Peter Collinson e, pouco mais tarde, usa o seu próprio nome.
Op é o agente -“the operative”- da Continental Detective Agency, um quase anti-herói: de meia-idade, não muito alto, não muito elegante, mas com alguma coisa do seu detective mais famoso (mas não único, contrariamente ao herói Phillip Marlowe, de Raymond Chandler), Sam Spade, que aparece apenas em três short stories e no famoso O Falcão de malta.
Op e Sam têm alguns aspectos comuns e são os dois muito diferentes do carácter de outros heróis (The thin man): Nick Charles e a mulher, Nora, casal inesquecível, divertido e simpático.

No Posfácio, publicado na edição francesa da “Folio” de Fly paper, (Papier tue-mouche), Lillian Hellman, sua amiga e companheira de muitos anos, escritora (o argumento do filme Julia (1977), com Vanessa Redgrave e Jane Fonda, de Zinnemann, é tirado de um livro dela), conta assim o encontro deles:

Quando conheci Dash, ele tinha já escrito quatro dos seus livros e era a coqueluche de Hollywood e de New York. Eu tinha 24 anos e ele 36. Na noite em que nos conhecemos, acabara de sair de uma bebedeira de cinco dias, e continuaria a beber durante mais dezoito anos. Depois, um dia, um médico diz-lhe que se continua assim morre, e ele promete não beber mais, promessa que cumpriu, com excepção do último ano em que se habituou a beber um martini antes do jantar. Nessa noite, falámos de T. S. Elliot, de escritores e de livvros e não recordo já o que dissemos. Depois sentámo-nos no carro dele e continuámos a falar de tudo, de nós, da vida até nascer o sol.”

Fala também da forte personalidade de Hammett, do seu sentido da justiça e da sua coragem. Em 1951, durante “a caça às bruxas” do governo de McCarthy, pelas suas convicções políticas de esquerda, esteve cinco meses preso, acusado de ser anti-americano. Recusara-se a revelar o nome dos inscritos na Caixa de Ajuda Mútua do Congresso dos Direitos Cívicos, nomes que, aliás, desconhecia.
Conta Lillian, no Prefácio:
“Perguntei-lhe: “mas por que não disseste no tribunal que não sabias os nomes?
“Ele respondeu: “não sei, sei só que tinha de fazer isto, por uma questão de princípio. Mesmo que não fosse apenas a cadeia, e implicasse a perda da vida, faria o mesmo. Em defesa daquilo que eu acho ser a democracia. Nunca deixaria que nenhum polícia ou juiz me viesse explicar o que eu acho que é a democracia”...

Anti-americano?, interroga-se:
“Hammett estivera na I Guerra, contraíra a gripe espanhola, a que se seguira uma tuberculose, passara anos em hospitais militares a tratar-se.”
E Lillian acrescenta:
“Volta dessa guerra com um enfisema pulmonar e nem percebo como conseguiu participar na II Guerra, com quarenta e oito anos. No dia em que o exército o considerou “apto” telefonou-me, feliz, a dizer que era o mais belo dia da sua vida... E que ia como soldado raso”.
Refere, a seguir, o depoimento de um jovem soldado que estivera com ele, na frente de combate:
"Quando cheguei aquilo era horrível. Mas, felizmente, havia Hammett. Chamávamos-lhe Pop (papá), talvez pela diferença de idades, mas, sobretudo porque o respeitávamos. Tínhamos-lhe mais respeito do que ao nosso coronel e acho que o coronel pensava o mesmo. A sua influência sobre nós era enorme. Era o organizador do jornal e era bom tê-lo connosco. Chegávamos por vezes à tenda do acampamento furiosos, a queixar-nos, aos berros, aos encontrões. Assim que entrávamos, lá estava ele, deitado, a ler um livro. Erguia os olhos, sorria e acalmávamos . Falava connosco, ajudava, muitas vezes com dinheiro, sobretudo, com palavras."

Penso que, por agora, chega... Espero que, com a juda de Lillian Hellman, tenha podido explicar por que razão este autor me fascinou, desde que o comecei a ler.



P.S.1. Agora, para uma amiga, com certeza já impaciente: não, não me esqueci de Agatha Christie! Como poderia? A Lady do Crime! Impossível esquecê-la.

P.S.2. Legendas das imagens que aparecem no início da página:
1. capa do DVD Hammett de Wim Wenders
2. capa do livro "The Mistery of the Continental Op"
3. imagem do filme de Zinnemann, Júlia, com Jane Fonda e Vanessa Redgrave (1977)
4. foto de Lillian Hellman
5. foto do filme Hammett, de Wim Wenders, com o actor Frederic Forrest no papel de D.H.
6. cena do filme de John Huston, O falcão de malta, com Humphrey Bogart, Mary Astor, Peter Lorre
7. capa da edição francesa de Fly paper (Papier tue-mouches) onde vem o referido Prefácio, de L.H.








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