quinta-feira, 4 de junho de 2009

Histórias da casa amarela: As "Galapitas" e o Verão

Berthe Morisot, menina na varanda





Degas, bailarinas

As Galapitas apareciam mais para o Verão, com a chegada da Feira das Cerejas, em meados de Junho e, depois, meses mais tarde, na Feira das Cebolas, em Setembro.
Era no Rossio, o passeio público, que se montavam as barracas da feira, e, mais acima, por detrás da cascata artificial de pedrinhas e musgo, o carroussel, e o Circo. Estes os acontecimentos fundamentais naquela terra de província e, para mim, um divertimento que durava alguns dias.
Vejo-as a descer a rua, empoleiradas nas sandálias de saltos muito altos, com as saias curtas pregueadas, a bater nos joelhos magros, meias de nylon com risca preta atrás, blusas de seda. Tinham as caras pintadas, cheias de pó de arroz e de bâton bem vermelho, provocantes e imaginava o perfume forte que usariam.
A mãe, mais alta, magra, tinha os ombros largos e o peito grande. Usava óculos de aros castanhos e lentes muito grossas, tinha os cabelos oxigenados, compridos e presos dum lado com um grande travessão de pedras.
A filha, elegante, mais proporcionada, inclinava-se um pouco para a frente. Pintava-se como a mãe, tinha um rosto fino com o queixo fugidio e um pequeno nariz arrebitado. O cabelo era loiro e solto, encaracolado, caindo sobre os ombros.
Impressionavam-me aquelas duas figuras que imaginava no palco de um teatro da capital - ou até de Paris, pensava eu...- e não, ali, naquela rua duma simples cidade de província. Lembravam-me certos filmes, vistos no Cine-Parque, em que as mulheres eram cantoras e bailarinas, com lindas cabeleiras ruivas e fitas de cetim negro ao pescoço, ou belas aventureiras, sem escrúpulos, destruindo corações.
O modo de vestir, o andar assim ondulante, desequilibradas nos saltos, escorregando nas pedras da rua, as malas a tiracolo e as pulseiras douradas, tudo me dava uma curiosidade imensa de as ir ver passar. Como se um espectáculo se desenrolasse, só para mim, inesperadamente, à minha porta.
Dizia-se, cinicamente, na minha rua, que iam ter com “os do Circo” e que só voltavam para casa a altas horas da madrugada. E que deixavam o pobre Galapito sozinho em casa, a beber.
Não sei, nunca as vi voltar à noite, e não conhecia o Galapito...
Sei que gostava de as ver descer a minha rua.
Elas eram o sinal das férias, o Verão que chegava, cheio de coisas maravilhosas, os palhaços, o Circo, os saltos dos acrobatas pelos arcos de fogo. Enfim, a fantasia e um pouco de loucura. E o sonho!




Chagall

1 comentário:

  1. Agora, as galapitas são demais. Perderam o encanto, a ousadia, a diferença quase chocante...

    Beijos

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