quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Ainda Agatha Christie: a "desaparecida"










Num comentário sobre o post "Agatha Christie, 15 de







Num comentário a um post meu em 15 de Setembro, "Agatha: o dia do seu aniversário", uma leitora refere os dias em que ela esteve "desaparecida", supõe-se que em choque -como diz muito bem a leitora- com a ideia do marido querer o divórcio.

Pergunta se sei onde poderia encontrar referências a esse desaparecimento. E confessa que o seu Poirot preferido é Albert Finney no filme "Expresso do Oriente". Concordo com ela que Finney é um actor magnífico ( e recordo tantos outros filmes dele, o último que me lmbro "O Peixe" de Tim Burton é lindo e com uma representação dele muito boa) mas David Suchet foi "tantas vezes" um bom Poirot -e bem- que não posso deixar de me lembrar sempre dele (até estou a "rever" DVDs que já "revi" há uns tempos...

Sobre a "fuga" encontrei muita coisa na Biografia que aqui referi de Laura Thompson, "Agatha Christie, An English Mystery" publicado em 2007 em Londres, no Headline Publishing Group (capítulo "The Quarry", pgs 186-258) em que a autora da biografia recria esses momentos.



No meu blog, em 7 de Julho (Agatha, a desaparecida), lembro-me que, baseando-me no que diz Laura Thompson, escrevi:




"Agatha Christie desapareceu na noite do dia 3 de Dezembro de 1926, perto da meia-noite.

Foi encontrada, onze dias depois, numa terrinha do Yorkshire, Harrowgate, onde esteve instalada todo esse tempo numas termas, dizendo chamar-se Mrs. Neele.

Muita tinta correu sobre este acontecimento, várias foram as explicações, muitas as dúvidas que ficaram ... E o mistério continua.
A "Mulher-Mistério", chamaram-lhe na altura. Amnésia? Tentativa de auto-publicidade? Ou, antes, vontade de desaparecer, num momento de desconsolo, de sentimento de abandono, de desconforto? Ou, porque não, chantagem afectiva ao marido?
Segundo a sua biógrafa Laura Thompson, os factos passaram-se do seguinte modo e as causas podem ter sido as que ela aponta.
As relações de Agatha e Archie, o grande (e único?) amor da sua vida, tinham esfriado há algum tempo.

Porque Agatha era uma mulher demasiado independente, exigia demasiado tempo para si e para os seus livros e teria abandonado Archie?

Porque Archie viera fragilizado da Guerra e dependia dela? E isolara-se, afastara-se quando a sentira distante?

Agatha Christie era uma mulher forte, auto suficiente, sem dúvida, mas Archie fora e era o seu grande amor.

Havia outra razão para esse aparente afastamento: a mãe da escritora, Clara Miller, com quem ela tinha uma relação fortíssima -e de dependência enorme, apesar da sua força-, adoecera gravemente e Agatha -abaladíssima, pois eram as duas inseparáveis-, fora para o pé dela uns dias. Archie, entretanto, estava a trabalhar em Espanha.

Quando a mãe morre, uns meses depois, Agatha inconsolável, devastada psicologicamente, volta à casa onde passara a sua juventude e não consegue separar-se da imagem da mãe, das recordações, e, quando Archie lhe pede que vá com ele para Espanha, recusa, deixando Archie voltar para trás, sozinho.

Demasiado deprimida para sair daquela casa que amara e onde todo o passado lhe volta à memória, fica por ali, com o pretexto de arrumar a casa, separar coisas. Quando Archie volta dessa estadia em Espanha, prefere ficar a viver no seu clube, em Londres, e, pouco a pouco, vão-se afastando.

Por outro lado, depois da gravidez, Agatha, que era linda, perdera a sua elegância, engordara nesses anos, vestia-se sem cuidado, deixara de ser a jovem bela, esguia, de cabelo loiro bem arranjado, que Archie conhecera muitos anos antes e por quem tivera uma paixão louca.Aquele “laisser-aller” da mulher desorienta Archie, sensível à beleza.

Nesse momento aparecera no horizonte uma jovem, bela morena, ágil e desportiva, sempre disponível, que o ouve atentamente. Com quem ele começa a jogar golf, primeiro, depois, a conversar e jogar bridge e cuja companhia lhe é extremamente agradável e passa a ser-lhe necessária.

Agatha, presa da sua dor, não se dá conta desse afastamento, ilude-se, pensa: “agora que voltei a estar magra como ele gostava, vai correr tudo bem”, procura Archie e começa a planear umas férias juntos. Archie, porém, não quer voltar atrás, sente-se bem com o que tem: aquele novo conhecimento, aquela pessoa que o envolve e acompanha, e não vem sequer passar um fim de semana com Agatha e a filha, Rosalind.

Ela percebe que ele prefere ficar perto do seu golf, sem se preocupar com o desgosto ou a solidão dela, e, nesse momento, sofre com o afastamento dele, mas ignora essa paixão do marido. Archie volta uma noite e ela sente-o mudado, nota-lhe uma expressão ausente, parece um estranho e acaba por lhe confessar o seu amor por Nancy Neele e a sua vontade de se divorciar.

Sem ouvir os protestos dela, parte para Londres. Agatha pede-lhe que volte. Não quer acreditar no fim do amor deles, insiste para que reatem a relação, ela ama-o da mesma maneira, e há a filha que precisa dele...

Ele volta e passam três meses juntos. Agatha faz planos para o futuro, viajam nos Pirinéus, mas sentem os dois que não é o mesmo sentimento que dantes era: Agatha anda deprimida, põe um ar passivo, sofredor, que o enerva. Archie sentindo-se culpado, reage, sendo cruel com ela.

Agatha não desiste. No regresso, propõe-lhe fazerem uma viagem a Itália, no Inverno, e, apesar de ele não se mostrar interessado, combinam uma data. O tempo vai passando.

Chega a noite de 6ª feira, 3 de Dezembro. Deveriam partir, na manhã seguinte para um fim de semana no Yorkshire. Mas Archie não volta a casa nessa noite, nem lhe diz nada. Agatha espera, com as malas feitas, desespera e decide ir-se embora quando percebe que ele não vem.

O que pensou nessa noite, o que decidiu fazer, realmente, ignora-se.

Talvez tenha pensado em suicidar-se, talvez tenha apenas encenado essa intenção: a verdade é que conduz o carro até uma ribanceira e, deixando-o destravado, deixa-o ir por ali abaixo.

Antes, pusera os documentos no assento.

Porquê? Para o carro ser identificado mais depressa e, assim, saberem do seu desaparecimento? Para se preocuparem com ela? Para acreditarem na sua morte? No seu assassínio? Num rapto?Vai a pé até à estação de comboio mais próxima e apanha um comboio para Londres. Ali, compra um casaco novo e alguma roupa e volta a apanhar o comboio, agora para Harrowgate, onde se apeia e procura um quarto numa pensão, dizendo ser Mrs. Neele (ironia) e ter chegado da África do Sul, à espera que lhe enviem as bagagens.

Antes, escrevera uma carta ao irmão de Archie, Campbell -que era o seu maior amigo e a única pessoa em quem confiava verdadeiramente. Diz-lhe que está cansada, deprimida, e que vai repousar para umas termas para os lados do Yorkshire.
Pretenderia deixar a carta como uma pista? Julgando que o cunhado, conhecendo-a bem, percebesse que era um pedido de socorro: que dissesse a Archie que ela estava mal e precisava dele ?

Laura Thompson é dessa opinião. Mas o que acontece é que a mensagem é mal interpretada, a carta é rasgada porque ele se convence que Agatha a enviou como “pista falsa” para esconder os seus reais movimentos.

Conclusão dele: Agatha não quer ser encontrada e ele não vai traí-la...E as buscas começam, a polícia é avisada, investiga, e a suspeita cai sobre Archie, acreditam que ele a matou –um drama e um mistério! Os jornais assinalam o desaparecimento, fotos dela surgem por toda a parte.

E os dias vão passando. Na pensão de Harrowgate, Agatha lê os jornais e aguarda que Archie chegue. Talvez ignore que a sua misteriosa ausência conduziu a polícia à hipótese de um crime -e Archie foi quase acusado do seu assassinato.

Agatha, parentemente, faz uma vida normal: sai, compra roupas, enfeita-se, faz tratamentos nas termas, fala com os outros hóspedes, dança, ouve jazz todas as noites –uma banda vem tocar à pensão-, interessa-se pelas pessoas.

Dura tudo onze dias, ao fim dos quais a polícia consegue descobrir o seu paradeiro. Alguém a reconhecera nas fotografias que apareciam constantemente nos jornais: Mrs. Neele é afinal Agatha Christie.

Archie vai procurá-la à pensão e, no dia seguinte, a irmã de Agatha vem buscá-la. Regressam a casa, mudando várias vezes de comboio, para despistar os jornalistas e ela vai refugiar-se no campo, na casa onde a mãe vivera.

Durante um tempo ela e Archie tentam viver juntos, até perceberem que tudo estava acabado.

E nunca se saberá, exactamente, a razão daquela fuga. Tudo o que imaginarmos não passará de simples suposição.

A Lady do crime fez do seu desaparecimento um mistério como nos seus livros..."







Ilustrações:



1. capa do DVD-filme de Michael Apted, "Agatha", 1979, com Vanessa Redgrave, Dustin Hoffman, Tymothy Dalton.

Nota: Michael Apted (nascido em Aylesbury, condado de Buckinghamshire, Inglaterra, 10 de Fevereiro de 1941), é um realizador de cinema inglês.

2. fotografias que constam do livro de Laura Thompson: jornais que anunciam o desaparecimento de Agatha Christie.

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