sábado, 2 de janeiro de 2010

Retomando a leitura de Batya Gur...


























Tive uma notícia triste no final do ano...
Dando uma volta pela internet, descobri, num artigo de Merav Yudelevitich (no New York Time de 20/05/05), que Batya Gur, uma das minhas escritoras preferidas de romances policiais, morreu em 2005!
Fiquei chocada: como é possível?

Fazia tenção de continuar a ler os livros dela...

Quem era Batya Gur?, hão-de perguntar.


Aqui vai o que sei:
Quando cheguei a Telavive, soube da existência desta escritora de policiais. Escrevera já uma série de livros.
O primeiro que li chamava-se The Saturday Morning Murder: a Psychoanalytic Case e saíra em 1988 (o título da tradução portuguesa é: Assassínio do sábado de manhã, publicado pela Relógio d’Água, em 2002).

Fora publicado já–como os outros que se seguiram- pela prestigiosa casa editora americana HarperCollins Publishers, de New York, em 1992.


Li-o em 1998. Como tantas outras coisas, foi a minha filha que mo “trouxe”: tinha uma “paixão” pelo detective, Michael Oyahon, o jovem Inspector-Chefe da Polícia Criminal, figura simpática e culta, aventureiro, divorciado, com um filho adolescente, cujos problemas não esquecemos, e várias apaixonadas, que vão mudando de livro para livro.

Fui buscar os exemplares que tenho na minha estante sempre à mão, e, com tristeza e muita nostalgia, abri o romance Assassínio do Sábado de Manhã.


Começa assim:
“Levaria anos, e Shlomo Gold sabia-o, antes que pudesse voltar a arrumar o carro em frente do Instituto, na Disraeli Street, sem sentir uma mão gelada apertar-lhe o coração. (...) Ainda ouvia as palavras do velho Hildesheimer vibrarem-lhe na cabeça. O problema não era o edifício em si, dizia ele: não era o edifício que causava aquela ansiedade; mas sim os seus próprios sentimentos em relação ao acontecimento.”

Começo a lembrar a história, a intriga aparentemente impossível de resolver, as pistas falsas, a mente subtil por detrás -o assassínio quase perfeito!-, a análise psicológica contínua que a autora desenvolve em cada personagem. O leitor corre de página para página numa ansiedade crescente porque quer ver o mistério resolvido!
Os críticos costumavam dizer que o amor e a atracção pela escritora, e pelos romances dela, ia aumentando de livro para livro.

Muitas vezes, pensei:
O próximo já não vai ser tão bom, não pode aguentar esta intensidade sempre...e manter o ritmo alucinante...”
Mas o próximo romance vinha, e -pegando num assunto completamente diferente- a acção centrada agora numa outra realidade (como por exemplo, Murder on a Kibbutz, que nos vai “ensinar”, paralelamente, o que era, no seu início, um kibbutz, como mudou, o que é agora...), misturando o suspense, a intensidade, a angústia de “perceber” o porquê ? do assassínio, o como?
Seguem-se outros livros:
Literary Murder: a Critical Case (1991), passado numa no Departamento de Literatura, da Universidade de Jerusalém, em que o ambiente é fielmente dado, e as personagens -dos catedráticos aos alunos- se movem, habilmente conduzidos pela autora, numa teia de ódio, lutas subterrâneas, estratagemas ignóbeis para dar cabo da carreira do colega, etc, etc, (sempre actual, infelizmente). As histórias de Batya Gur, best sellers em Israel, foram traduzidas em várias línguas e tiveram uma boa crítica a nível mundial (em Espanha, por exemplo estão traduzidos pelo menos uns cinco tíetulos: procurem na internet, "Casa del libro", esta capa é de Asesinato in directo, mas há muitos mais publicados!).



Um crítico confessava: “Quando vejo a polícia às volta, sem saber quem foi o assassino (whodunnit?), pergunto aempre a mim próprio: “O que faria Michael Ohayon?!”

Isto diz tudo: o personagem de romance tornou-se num homem, um ser humano como os que conhecemos.

Batya Gur dizia do herói: “Fala por mim... o que não posso dizer, diz ele: ele é um homem, eu sou uma mulher...”
O detective que criou para resolver os casos difíceis (relacionados com comunidades diversas, dentro do próprio país) é um outsider em Israel, um sefarad, nascido em Marrocos, que vai procurar mergulhar nestes mundos tightknit (como traduzir? "tricotados"?), e compreendê-los, com a dedicação paciente e a humildade de um aprendiz.
O jovem Comissário não é apenas um herói simpático, com boa apresentação, generoso. É igualmente uma pessoa culta, um cerebral, um introspectivo e um melancólico apaixonado. Formado em História, por Cambridge, é autor de uma dissertação de Doutoramento (inacabada) sobre as corporações na Idade Média...

As soluções que encontra saem, no fundo, da compreensão gradual desses mundos fechados e dos problemas filosóficos profundos que existem no coração de cada uma dessas comunidades.
É em 1988 que Batya Gur começa a escrever as séries policiais com o detective Michael Ohayon que vai imediatamente prender os leitores israelitas.

Batya Gur aparece a falar dessas sociedades –ou classes- fechadas como, por exemplo, um Instituto de Psicanálise (Saturday Morning Murder), o Departamento de Literatura, (Literary Murder: a critical case, 1991), um kibbutz (Murder on the kibbutz, 1994), o mundo dos músicos da música clássica (Duet Murder: a musical case, 1999) – cujas tensões, facciosismo e preconceitos são os que se observam no país, em movimento contínuo, interrogações, em convulsões, profundas e criativas...

E Ohayon vai procurar, na compreensão e no conhecimento da natureza humana, a solução dos casos. Consegue “quebrar” as regras de silêncio e entrar nessas sociedades fechadas sobre si mesmas.
Depois dos livros que referi, escreveu ainda The Bethlehem Road Murder(2004), Murder in Jerusalem (publicado póstumo, em 2007) e outros...


Abro agora Murder Duet (que, felizmente, ainda não li: sim, tenho um livro dela para ler!) que começa assim:
Quando pôs o CD no aparelho e ia carregar no botão play, Michael Ohayon teve a impressão de ter ouvido um grito fino. Passou no ar, e desapareceu”.


A música era a 1ª Sinfonia de Brahams que adorava, e o grito era real, era o de uma bébé que gritava, abandonada ali na rua e que Michael, quando a vê pensa adoptar, se ninguém aparecer a reclamá-la...
Dizem, na notícia, que “foi vitimada por doença grave contra a qual lutou com esforço, trabalhando todos os dias quase até ao dia em que morreu, publicando todo o material que tinha e achava importante fosse publicado”.


Nota biográfica


Batya Gur (20 de Janeiro de 1947-19 de Maio de 2005), filha de sobreviventes do Holocausto, era uma crítica literária conhecida. Com um Doutoramento na Universidade de Jerusalém, ensinava Literatura e era Leitora na Open University. Ensinou muitos anos nos Estados Unidos. Era, também, uma activista social e uma figura política.

Durante muitos anos ensinou na Universidade de Ofakim, no sul de Israel. Foi nessa altura que, aos 39 anos, decidiu começar a escrever.
Passou os últimos anos da sua vida no bairro Germany Colony em Jerusalém. Era também uma activista social e uma figura ligada à política (Next to the Hunger Road, 1991), foi crítica literária e ensaísta no jornal "Haaretz".

Títulos em português:

Assassínio do Sábado de Manhã, de Batya Gur, editora "Relógio de Água", 2002

Colecção: Crime Imperfeito
Preço 14.00 €

Pergunta: Por que não publica a "Relógio de Água" os outros romances de Batya Gur? Devia publicar...

Conselho (aos leitores interessados): Procurem já o Assassínio do Sábado de Manhã, da escritora Batya Gur! Vale a pena!

4 comentários:

  1. Não conhecia, mas vou seguir o seu conselho. Obrigada por ma dar a conhecer.
    Beijinhos

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  2. Também não conhecia a escritora e nem o seu trabalho, mas fiquei curiosa.
    Vou procurar.
    Abraços,
    Marise.

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  3. É muito escritora especial porque, no fim e ao cabo, é uma pessoa culta, interessante, interveniente que fala de assuntos, ambientes que conhece bem, intriga super bem arquitectada, com nível. Nunca é vulgar -o que eu acho importante...
    Abraço grande
    falcão

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