terça-feira, 30 de março de 2010

Um policial à escolha: "Os Olhos de Jade", de M.J.Falcão

CAPÍTULO 14
Joan, saíra da casa do jardineiro, apreensiva. Caminhava, apertando a gola do blusão de encontro ao pescoço esguio. Demorou-se no jardim, olhou as árvores e os canteiros de flores em redor da casa, o tronco retorcido e sem folhas da trepadeira de glicínias.
Estava uma manhã de sol fria e as folhas das árvores, lavadas pela chuva, brilhavam. Viu os troncos enormes cheios de vigor e as florzinhas delicadas das glicínias que rebentavam.

"Se alguém espreitara pela janela no dia anterior", ia pensando, "haveria sinais de pegadas debaixo da janela..."

Curvou-se e, apoiada nos joelhos, afastou as ervas rasteiras, procurando uma marca, mas o exame cuidadoso nada adiantou, a terra estava empapada das chuvas da noite e as ervas salpicadas dessa mesma terra molhada.


“Será possível que a minha imaginação me engane duas vezes? Estou a ficar transtornada?”


Costumava ser lógica, e não se deixava impressionar facilmente.
De repente, sofro de alucinações, tenho pressentimentos. Eu, com medo? Preciso de falar com alguém!", pensou.

Lembrou-se de ir ver de Gabriel.
"Estará acordado?"
Foi espreitar ao escritório.
A luz estava fechada e a secretária limpa, só o computador continuava ligado. Reparou num envelope comprido que tinha escrito por fora “não abrir”.
Tocou-o, e a curiosidade fê-la girar o envelope tentando perceber o que estava dentro.

Serão os tais papéis da mãe?”

Pelo formato viu que se tratava de uma diskette. "
Para que serviria?, pensou.
Deve estar a dormir, coitado. Se calhar não dormiu nada toda a noite.”
Na cozinha, começou a preparar o pequeno almoço. Um bom bocado da manhã passara e não tinha comido nada.
Encheu uma grande taça com leite, fez um café bem forte e foi sentar-se no sofá da sala com o tabuleiro ao colo.
Recostou-se, pôs os pés em cima do puff e suspirou. Sentia-se deprimida. De repente, tinha perdido o apetite. Limitou-se a tomar o café que, entretanto, arrefecera e fumou o primeiro cigarro do dia.
Desabafou para consigo mesma:
-Meu Deus, se ao menos o Michael chegasse depressa! Não consigo fazer nada...
Ouviu barulho, pousou o cigarro e foi a correr. Era Helen. Arrumara o carro, ao pé da árvore grande, como era seu costume.-Oh, Helen! Parece que adivinhaste como precisava de ti! Estava para aqui sozinha como um cão, a pensar na vida e a sentir-me a última desgraçada do mundo! O Gabriel está a dormir...

Helen riu alto.
-Eu adivinho sempre tudo, querida, já sabes, a tal telepatia... Eu e a Emily falámos e apeteceu-me vir dar uma olhadela, ver-te, falar com a Mary, com o vosso jardineiro. Enfim, vamos começar uma investigação a sério!
Joan encolheu os ombros.
-Tem de ser, tens razão... Preciso de raciocinar em voz alta com alguém que me perceba, que me ajude. Estava a pensar no Michael e apareceste tu!
Olhou para os embrulhos, e disse:
-Não era preciso trazeres comida, a Mary foi às compras...
-Nunca é demais, não te esqueças que vem aí o teu irmão. Ajuda-me a pôr os sacos na cozinha...
-Está bem... Mas vamos primeiro tomar um café a sério! Não te importas que seja na cozinha?
Mary chegou e Helen, enquanto a ajudava a arrumar as verduras no frigorífico, foi-lhe fazendo perguntas.
-Mary, ouça bem... Reparou nalguma coisa estranha, antes da morte da senhora? Um telefonema? Ou uma carta? Percebe o que eu quero dizer?
Mary olhava para ela, com um ar muito sério.
-Sim. Que me lembre, não... Cartas não houve, só os chocolates e as flores. A senhora adorava chocolates. Telefonemas, isso houve, mas...
-Chocolates?, interrompeu Helen. Mas quem é que lhe mandou os chocolates?
-Julguei que tinha sido a senhora, Mrs. Croft...ou a Miss Emily...

Helen replicou, irritada.
-Por amor de Deus, Mary, não me chame Mrs. Croft! Collins, só Collins, Mary! Helen Collins
-É verdade, esqueço-me sempre que o Mr. Croft...
-...Passou à história, é isso. Lembra-se em que dia foi?
-Sei muito bem, então não me lembro? Foi no dia a seguir ao jantar cá em casa. Toda a gente telefonou a agradecer, mandaram flores à senhora e essa caixinha de chocolates, pequenina.
Helen parou, sentou-se ao pé da mesa, tirou a boquilha da mala preta e acendeu um cigarro. Aspirou com força o fumo, antes de perguntar:
-E quem os trouxe? Como é que vieram?
-Bem, vieram normalmente. O carteiro é que os trouxe aqui a casa! Era um embrulho pequeno, assim... E Mary mostrava com as mãos o tamanho do embrulho.
-De onde é que vinha? Reparou na direcção?
-O carimbo era de Brighton, por isso é que julguei
que era das senhoras. Acho que foi o que Mrs. Green pensou . Vi que eram cinco chocolates...
-Que disparate! Eu não mandei chocolates nenhuns! Nem eu nem a Emily!
E num aparte, para Joan:
-Nem nunca mandaria só cinco...Telefonámos, claro, e mandei-lhe sete rosas vermelhas. Era um hábito nosso...
Virou-se para Joan:
-Quase um código:Red roses for a blue lady.” Conheces a canção?...
-Sim, tia Helen. De facto, por quê só cinco chocolates? Ninguém oferece uma caixa tão insignificante...
Joan ficara a pensar naquilo. Helen interrompeu-lhe os pensamentos e disse gravemente:
-Por quê? Porque cinco chocolates comem-se num instante e o efeito do veneno é concentrado! Toda a gente sabia que a Abigail não resistia aos chocolates!


Joan olhou-a, aterrada:
-Sim, a mãe adorava chocolates! E o Gabriel é alérgico, ainda ontem falámos nisso. Todos sabiam disso. Helen, tudo isso tem sentido... Eu bem dizia que a mãe foi envenenada!
-Tens razão,
disse Helen. É horrível!


Joan olhou para fora. O sol brilhava e as árvores e o jardim permaneciam indiferentes na sua beleza.
Ao fundo da azinhaga, via-se a estrada que ia para Arundel e Brighton.
"Se ao menos Michael chegasse depressa!"
Helen sentiu a sua angústia e abraçou Joan com ternura.
Tinham de ter muita força, pensou.

Nota: as fotografias são da minha autoria e vão de Hampstead a Portalegre e a Montalegre...

6 comentários:

  1. Estou-lhe agradecida pelas suas palavras.Leio-a sempre,disfruto contactando com alguém como você.Esteve aqui uns dias a minha única neta,de dois anos,e fui feliz.Sou feliz de vez em quando,o que tenho quase sempre é bastante paz interior,e com isso me conformo...Parabéns pelas suas fotos,muito bonitas.Seguirei a pista aos cinco chocolates.Beijinhos da maría

    (Cepticismo talvez,amargura nâo.Outro dia lhe explico melhor).

    ResponderEliminar
  2. Minha cara amiga

    Belos textos.
    Excelentes fotos,deixam-me humilde.

    A voz de Serrat acompanhou-me toda a vida.
    Miguel Hernández juntamente com o outro fuzilado Garcia sempre me guiaram,voltando,muitas vezes a Machado.
    Estes escravos do dinheiro lembram-nos todos os dias.

    Saudações cordiais,
    mário

    ResponderEliminar
  3. Obrigada pelos vossos comentários!
    Maria, espero sempre por si, já sabe...Dos olhos de Jade há mais episódios para trás se tiver paciência de os procurar...Boa Páscoa!

    ResponderEliminar
  4. Tepadeira, amigo: "sabia" que gostava do Miguel Hernandez. Tinha de ser... Já vou conhecendo um pouco de si.
    Joan Manuel Serrat ouvi muito, mas com a passagem a CDs fui-me distraindo e nunca mais ouvi.
    Comoveu-me muito ouvi-lo.
    Abraço de Boa Páscoa

    ResponderEliminar
  5. Olá MJ Falcão,
    Vim dar uma espreitadela e prometo vir cá mais vezes :P
    Obrigado pelos comentários simpáticos que sempre deixa no viajar.
    Lindo texto, lindas fotos.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  6. Venha sempre, Paula. Fico contente!
    Boa Páscoa!

    ResponderEliminar