terça-feira, 22 de junho de 2010

Jean-Claude Izzo, escritor policial, e o livro "Total Khéops"

Paul Cézanne, O Golfo de Marselha

Hoje quero falar de Jean-Claude Izzo, um escritor policial francês, diria antes, um escritor marselhês...
Quem é Jean-Claude Izzo?

Nasce em 1945 em Marselha. Filho de pais emigrantes italianos, de origem meio espanhola, meio italiana...

Foi livreiro, desempregado [sic], vendedor no Marché aux Puces, foi jornalista em Marselha e em Paris.

Morre em 2000, na sua cidade.

O primeiro livro intitula-se "Les Marins Perdus". É um romance de fantasia, de viagens emocionantes à roda do mundo, do qual encontrei apenas uma tradução em português, "Os Marinheiros Perdidos", Brasil) e dele é tirado um filme -da realizadora francesa, Claire Devers, com Marie Trintignant e Bernard Giraudeau nos principais papéis.
Em 1995, recebe o "Prémio Trophée 813", pelo livro "Total Khéops" (Caos Total) de que hoje quero falar. Em 1996 publica "Chourma" e em 1998 "Soléa". Os três volumes formam a "Trilogia Marselhesa".

"Total Khéops" (Total Chaos / Caos Total) é um livro muito duro!Que narra a infância de três amigos, nos bairros pobres de Marselha, a separação, e o caminho em direcção ao futuro. Que não existe...

Ugo (Ugolini), Manu e Fabio.

E Lole, “la Gitane”, como lhe chamavam, que os acompanha sempre, calada e séria, nas brincadeiras pelos pátios e pelas ruas, ou ao pé do porto.

“Eu sou polícia, tu és ladrão...”

E a vida continua, dá voltas e voltas. O tempo passa-lhes por cima. Marselha continua idêntica, bela e indiferente.

Vai longe o tempo em que descobriam a vida juntos, com os livros, os discos, os sonhos...

Ray Charles e "What' Id' Say" e "I Got a Woman" foi a descoberta musical desse rpimeiro ano, que ouviam num Teppaz, em altos berros.

Diz Fabio, recordando o passado, vivido vinte anos atrás:

“Inventávamos o mundo. À nossa imagem”.

Com a figura dos heróis: Ulisses, as sereias (quem matou as sereias?, pergunta Fabio, indignado), as viagens, as aventuras, Lord Jim e tantos outros.

Depois... crescem. A tropa transforma-os. O mundo cai-lhes em cima, duro e cruel, e as oportunidades com que “sonharam” não chegam.

Durante tempos vivem de expedientes. E há um momento em que fazem assaltos a mercearias, tabacarias, pequenos armazéns...

Até que...um dia, num desses assaltos, tudo corre mal: o dono da armazém resiste e Manu dispara à queima-roupa, ferindo-o gravemente.

Fabio não aguenta essa experiência, volta para casa a vomitar, e decide afastar-se dos amigos. Regressa ao exército.

Quando volta, escolhe ser “polícia”.

Fabio vai ser o "polícia" da história, Manu e Ugo, os "ladrões"...

Mas um polícia desiludido, que acredita em valores que desapareceram, e tenta fazer o seu trabalho o mais humanamente que pode, equilibrando-se entre a força necessária e a "conversa", a aproximação, enquanto ela é ainda possível.

Nesses bairros degradados, onde o racismo grassa e o medo tolhe todos, e gira a desolação e a raiva.

Os superiores não apreciam essa sua atitude “matizada” sobre a vida e sobre as pessoas. Sobre os delinquentes. Para eles o mundo é a branco e preto: polícia ou ladrão...

Por isso, Fabio Montale é um polícia marginalizado, que não “conta”, a quem são dados os casos que não têm importância, as rixas de bairro, roubos, facadas e pouco mais.

E o imprevisto (ou previsto?) acontece...

“Não tínhamos nada”, continua Fabio a recordar, “nem futuro. Só a vida. Mas a vida era menos do que nada.”

"Eu sou polícia, tu és ladrão..."

"Loucos", dirá Lole. "Não soubemos fazer nada das nossas vidas. Então... tanto faz, polícia ou ladrão..."

Retrato pesado da realidade desse porto, das dificuldades, da miséria, das máfias várias, disfarçado numa história poilicial autêntica “série noire”, bem negra...

A história de uma amizade prolongada e forte até à adolescência e depois pela juventude fora o sentimento que perdura apesar das diferenças que os separam na vida real. Tudo envolvido num tom de melancolia, tristeza pelo bem perdido, náusea, sentimento de perda, solidão...

Ugo, Manu e Fabio.

Vinte anos depois dessa amizade, (não vou contar mais), Fabio Montale é obrigado a resolver um crime brutal - crime esse que o atinge pessoalmente.

E vêm à memória os tempos em que Manu, Ugo e ele eram uns adolescentes, como estes que tem de reprimir. Filhos dos imigrantes - como ele, filho de pai imigrante – e com as mesmas dificuldades enfrentadas por estes.

Outros imigrantes, hoje magrebianos sobretudo, estes jovens deparavam-se com a mesma ausência de oportunidades, de “saídas” que os condicionara a eles.

“O futuro era isso, esperar emprego de estágio de qualquer coisa, fosse o que fosse. E sempre era melhor do que não esperar nada.” A amargura do tom faz-nos arrepiar.

E acrescenta, no mesmo tom: “A adolescência deles era andar sempre na corda bamba. O pior é que, no caso, deles, normalmente caíam”, conclui, sem esperança.

“Agora [como no tempo deles] conheciam as regras. Jogas. Se ganhas, tanto melhor. Se perdes, pior para ti.”

A honra dos sobreviventes é sobreviver... Este é o nome de um dos capítulos do livro.

Sobreviver.

Nesses bairros do porto, é de sobrevivência que se trata:

“Os que saem da fila, espalham o frio à roda deles. E o medo aos outros.(...) Adolescentes ainda e já adiantados na delinquência. Assaltantes, dealers, metidos no racketting.”

Depressa, percebemos que Marselha é uma das personagens da história. A mais amada. A protagonista. Com o seu encanto escondido, a beleza e o horror, as ruas e ruelas onde contracenam ricos (sabe-se lá como ficaram ricos, não importa)e poderosos e pobres, os jovens de pele escura ou negros cuja escolha possível é entre a pobreza e o crime. Sempre, meridionais. Filhos de emigrantes, imigrantes eles mesmos. Numa luta de vida e de morte pela sobrevivência...

Jean-Claude Izzo escreve num estilo seco, inteligentes e sóbrio, cortado, sem nada ceder ao sentimentalismo.

O que não impede de nos comovermos. Pelo contrário...

2 comentários:

  1. Pois è, MJ, tive a misma comoçao (=commozione) e tbm o deseo de ir ler os outros dois da "trilogia". Bem acho que as "trilogias" nao portem boa sorte (Stig Larssonn...). En todo caso, ja sabes que Izzo com Markaris, Monbtalban e Camilleri sao considerados os escritores do policiais méditerraneos. Bem vocé sao em frente do Oceano, mas quereria saber se hà um escritor em PT que poderia fazer parte desse clube. (perdone o meu Portugues, hj nao sou mt correcta na grammatica ;-)

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  2. O teu português é óptimo! Não conheço escritores policiais portugueses... é uma falha minha, reconheço... Mas vou falar aqui de um escritor português que viveu anos nos Estados Unidos, um bom escritor ("Leáh", "Gente de Terceira Classe", "Páscoa Feliz" são belíssimos livros!) e do seu romance policial: "Uma Aventura Inquietante". Bjs e obrigada pela foto de Izzo!

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