terça-feira, 12 de outubro de 2010

Florbela Espanca e a Natureza, dois sonetos


Camille Pissarro, "effet de neige en Eragny"

Raul Dufy, flores e papoilas



NEURASTENIA


Sinto hoje a alma cheia de tristeza!

Um sino dobra em mim Ave-Marias!

Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,

Faz na vidraça rendas de Veneza...


O vento desgrenhado chora e reza

Por alma dos que estão nas agonias!

E flocos de neve, aves brancas, frias,

Batem as asas pela Natureza...

Chuva...tenho tristeza! Mas porquê?!

Vento...tenho saudades! Mas de quê?!

Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!

Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso !!...



ESFINGE
Sou filha da charneca erma e selvagem:
Os giestais, por entre os rosmaninhos,

Abrindo os olhos de oiro, pelos caminhos,

Desta minh'alma ardente são a imagem.


E ansiosa desejo - ó vã miragem -

Que tu e eu, em beijos e carinhos,

Eu a Charneca, e tu o Sol, sozinhos,

Fôssemos um pedaço da paisagem!

E à noite, à hora doce da ansiedade,

Ouviria da boca do luar

O De Profundis triste da Saudade...


E, à tua espera, enquanto o mundo dorme,

Ficaria, olhos quietos, a cismar...

Esfinge olhando, na planície enorme...

5 comentários:

  1. Não guardo nenhum livro da Florbela Espanca, mas ainda sou capaz de recitar de memória muitos versos dela.Quando era uma jovem romântica identificava-me muitíssimo com a sua poesia,tão intensamente triste e musical.Gostei imenso de ver a foto, não a conhecia fisicamente.
    De quem é esse girassol gigante? Beijinhos

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  2. Olá gostaria de convidar-te para uma visita ao página a Página, para dares a tua opinião sobre a nova rubrica que tem como convidado o Manuel Cardoso de Os Meus Livros. www.nclivros.wordpress.com

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  3. Olá, Maria!
    O girassol é do Van Gogh... Aabei por tirar a legenda que "entrava" sempre dentro dos versos... Mas acho-o lindo!
    Olá, Nuno,
    Vou com certeza visitar o "página a página"!

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  4. Quem ama Florbela deverá ler o melhor ensaio que se escreveu sobre a grande poetisa: está no livro de José Régio, "Ensaios de Interpretação Crítica", em que Régio escreve também e sempre magistralmente sobre Camões, Camilo e Mário de Sá-Carneiro.

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