terça-feira, 30 de novembro de 2010

Uma volta pelo "reino" maravilhoso, de que falava Torga...

Algumas fotografias de Aveiro...

Passeando, com uma velha e grande amiga, recordando momentos da nossa vida


mercado de Aveiro

o Porto e o fim do Outono...


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Raymond Chandler, o Xadrez e a inutilidade dos Peões.,..

Humphrey Bogart e Lauren Bacall, interpretam o primeiro filme tirado do livro "O Grande Sono"


Raymond Chadler, publicado num cofre de 5 livros, no Brasil, (ed. LPM, bolso)

"The simple Art of Murder", de Chandler (ver 3)

Raymond Chandler com o seu fiel (?) gato preto

o actor Robert Mitchum, o Marlowe de alguns dos filmes tirados da obra de Chandler

Chandler foi o primeiro a estabelecer um “código ético” na profissão do seu detective principal, Marlowe, o detective humano.

Humphrey Bogart, a figura ideal do tal detective "impecável", o que se coloca "acima" das coisas que se lhe deparam...

Achava ele que o detective privado deveria estar acima de todas as coisas que lhe aparecessem.

Deveria ser, pois: "The best man in the world and a good enough man for any world." “O melhor homem do mundo e suficientemente bom para qualquer mundo.”)

Pus o tabuleiro de xadrez em cima da mesa do café e dispus as pedras para um problema chamado A Esfinge. Vem nas páginas finais de um livro sobre xadrez de Blackburn, o mago xadrezista britânico, talvez o jogador mais dinâmico que já existiu, embora ele não tivesse conseguido chegar a lado nenhum com o tipo de xadrez de guerra-fria que hoje se pratica. A Esfinge é em onze jogadas e justifica o nome que tem. Os problemas de xadrez raramente vão além de quatro ou cinco jogadas. Para além disso, a dificuldade em os resolver aumenta quase em proporção geométrica. Um problema de onze jogadas é tortura em estado puro.
Acendi o candeeiro de pé, voltei junto da porta e apaguei a do tecto; atravessei outra vez o aposento e parei junto do tabuleiro de xadrez, colocado em cima da mesa de jogo.
Tinha um problema para resolver, mas, como acontecia com muitos outros problemas da minha vida, não sabia que solução dar-lhe. Desloquei um peão e, em seguida, tirei o chapéu e o sobretudo e atirei-os para uma cadeira.
Olhei de novo para o tabuleiro de xadrez. O movimento do peão fora asneira; por isso repu-lo na casa anterior. Os peões não valem nada, no xadrez; não é um jogo para peões.”

(in The Big Sleep)
Robert Mitchum no filme "O Grande sono"

Recorro a uma tese de mestrado de que já aqui falei há tempos, de Magda Barbeito (1):

Para reflectir sobre o enigma que a mulher de Roger representa, mas igualmente da incerteza e indefinição das suas próprias considerações.(...) A guerra fria que aqui se joga refere-se à guerra limpa, traiçoeira e dissimulada de Eileen Wade, espelhando o seu carácter perigoso, cruel e fatal.
Marlowe sabe (ou intui) que esta guerra fria que se encontra a travar tem uma dimensão ainda mais perigosa que outras, não só porque não é declarada abertamente, mas sobretudo porque as duas forças opostas se igualam num empate. Pelo menos por enquanto.”

Voltemos a Chandler, quero dizer, a Marlowe:
“Ela desligou e eu preparei o tabuleiro de xadrez. Enchi um cachimbo, alinhei as peças preparei o tabuleiro de xadrez, passei-lhes a inspecção a ver se tinham a barba bem feita e não lhes faltavam botões, e joguei uma partida de campeonato entre Gortchakoff e Meninkin, setenta e duas jogadas até a um empate, um exemplo de primeira de uma força irresistível embatendo num objecto inamovível, uma batalha sem armaduras, uma guerra sem sangue.”

“O detective chandleriano –continua Magda - joga xadrez, que ele caracteriza mais uma vez de forma irónica como “um desperdício tão elaborado de inteligência humana”, não por divertimento ou porque o hobby lhe tenha sido impingido pelo seu autor. Mas a verdade é que Marlowe também não joga propriamente xadrez, sozinho ou com um adversário, mas antes tenta solucionar desafios xadrezistas, que funcionam como uma espécie de símile da sua própria actividade de private eye.”

Diz Chandler, pela boca de Marlowe:

“Na minha actividade, há um tempo para fazer perguntas e um tempo para deixar um sujeito ferver em fogo brando até deitar tudo cá para fora. Todo o polícia que vale alguma coisa sabe isso. É muito ao estilo do xadrez ou do boxe. Com certos tipos, temos de os atacar e mantê-los em desequilíbrio. Com outros, basta ir dando uns socos, e acabam por se vencer a si próprios.”

De novo Magda Barbeito:
"Numa passagem de The Long Good-Bye, Marlowe assume-se como um general passando revista às suas tropas, as peças de xadrez, enquanto prepara a sua estratégia de novo.
Se é certo que o xadrez constitui uma metáfora dos pensamentos de Marlowe, a sua referência no romance The Big Sleep tem, todavia, uma dimensão substancialmente diferente das já referidas precisamente por ocorrer num momento de grande tensão do detective e que corresponde a uma urgência ainda maior de agir de forma racional, calma e premeditada, o que vem ainda mais acentuar o seu pendor reflexivo. "

Termino, voltando à frase inicial de Chandler: "O detective deve ser o melhor homem do mundo."
Diz, a dada altura do romance, Philippe Marlowe:

"Tinha um problema para resolver, mas, como acontecia com muitos outros problemas da minha vida, não sabia que solução dar-lhe. Desloquei um peão e, em seguida, tirei o chapéu e o sobretudo e atirei-os para uma cadeira.
Olhei de novo para o tabuleiro de xadrez. O movimento do peão fora asneira; por isso repu-lo na casa anterior. Os peões não valem nada, no xadrez; não é um jogo para peões.”

Logo: o detective "que deve ser o melhor homem do mundo" não consegue, se respeitar o seu código ético, entrar no mundo do "xadrez", onde comandam as regras dos generais, poderosos que têm torres, barões, rainhas e reis. E a indiferença sobre a sorte dos peões...

Ele, como simples "peão", não vale nada.

Para se defender, e ganhar, restam-lhe as suas armas: a inteligência, o sentido da justiça, o respeito por si, para solucionar os tais problemas xadrezísticos que se lhe deparam, permanecendo, no entanto "acima de todas as coisas que se lhe deparam..."

Bem, falamos de personagens imaginárias, de ficção -mas míticas- como Marlowe ou Sam Spade de Dashiel Hammett, que defendem esse código de honra. Têm a sua ética.

A Ética, tão esquecida nesta vida, pelo comum dos mortais!

Ah! Mas estes últimos - estes "nós todos" - não são os "melhores homens do mundo"! É a desculpa deles...


(1) Magda Peixoto Barbeita, trabalho de mestrado intitulado “Philippe Marlowe”, do seminário: “O Policial na Literatura e no Cinema”, ministrado pela professora Maria de Lurdes Sampaio na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2008/2009

(2) Uma passagem do peema de Fernando Pessoa/Ricardo Reis:

Os Jogadores de Xadrez
Quando o rei de marfim está em perigo,
Que importa a carne e o osso
Das irmãs e das mães e das crianças?
Quando a torre não cobre
A retirada da rainha branca,
O saque pouco importa.
E quando a mão confiiada leva o xeque
Ao rei do adversário,
Pouco pesa na alma que lá longe
Estejam morrendo filhos.
Mesmo que, de repente, sobre o muro
Surja a sanhuda face
Dum guerreiro invasor, e breve deva
Em sangue ali cair
O jogador solene de xadrez,
O momento antes desse(...)
É ainda entregue ao jogo predilecto
Dos grandes indif'rentes.
Caiam cidades, sofram povos, cesse
A liberdade e a vida,
Os haveres tranquilos e avitos
Ardem e que se arranquem,
Mas quando a guerra os jogos interrompa,
Esteja o rei sem xeque,
E o de marfim peão mais avançado
Pronto a comprar a torre.
(...)
E, enquanto lá fora,
Ou perto ou longe, a guerra, a pátria e a vida
Chamam por nós, deixemos
Que em vão nos chamem, cada um de nós
Sob as sombras amigas
Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez
A sua indiferença.
Ricardo Reis

(3)

The Simple Art of Murder" refers to both a critical essay and a collection of short stories written by hard-boiled detective fiction author Raymond Chandler.
The essay was first published in The Atlantic Monthly in December 1944. It was reprinted in 1950 by Houghton Mifflin along with eight of Chandler's early stories pre-dating his first novel, The Big Sleep.
The essay is considered a seminal piece of literary criticism. Although Chandler's primary topic is the art (and failings) of detective fiction, he touches on general literature and modern society as well.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ouvir Jim Morrison e The Doors em "Whiskey Bar Alabama Song"






Quem era realmente Jim Morrison?
James Douglas "Jim" Morrison (nasce a 8 de Dezembro de 1943 e morre em Paris, em 3 de Julho de 1971) foi um cantor americano, compositor de letras, poeta e “realizador-amador” de filmes.
Nasceu em Melbourne, na Florida. Desde muito novo era um fanático de literatura poesia.

Quando estudava -quer na “George Washington High School” quer no “Junior College de Saint Petersburg” (Florida)- manifestou muito cedo uma inclinação pela obra dos chamados poetas “malditos” franceses e anglosaxões: Arthur Rimbaud, Gerard de Nerval, Charles Baudelaire, o conde de Lautréamont, Swedenborg ou William Blake.

Segundo um autor espanhol , o novelista Mariano Antolín Rato, que analisou a personalidade do que viria a ser o líder de The Doors, o que, na realidade, "Morrison deseaba era ser un poeta francés".

A ideia da morte preocupa-o e atrai-o desde muito cedo.
Conta Morrison que um dos acontecimentos mais importantes da sua vida aconteceu em 1947, tinha ele quatro anos, durante uma viagem de família ao Novo México.
"A primeira vez que descobri a morte… eu, os meus pais e os meus avós, íamos de automóvel no meio do deserto ao amanhecer. Um caminhão carregado de índios, tinha chocado com outra viatura e havia índios espalhados por toda a auto-estrada, sangrando. Eu era apenas uma criança e fui obrigado a ficar dentro do automóvel enquanto os meus pais foram ver o que se passava. Não consegui ver nada – para mim era apenas tinta vermelha esquisita e pessoas deitadas no chão, mas sentia que alguma coisa se tinha passado, porque conseguia perceber a vibração das pessoas à minha volta, então de repente apercebi-me que elas não sabiam mais do que eu sobre o que tinha acontecido. Esta foi a primeira vez que senti medo… e eu penso que nessa altura as almas daqueles índios mortos – talvez de um ou dois deles – andavam a correr e aos pulos e vieram parar à minha alma, e eu, apenas como uma esponja, ali sentado a absorvê-las."

Estudou cinema e teatro na Universidade da California em Los Angeles (UCLA), para onde foi viver em 1962.
O grupo forma-se nessa data, depois de um encontro casual com o antigo colega Ray Manzarek.
Leu-lhe uns poemas seus e decidiram, mesmo ali, criar uma banda rock.
Para completar o grupo, vieram mais dois membros juntar-se a eles, Robby Krieger e John Densmore, que Ray conhecia das suas aulas de meditação.

O nome da banda – The Doors - foi inspirado no livro “The Doors of Perception” de Aldous Huxley, que o tinha ido buscar a um verso de um poema de William Blake (The Marriage of Heaven and Hell), que dizia:
“ If the doors of perception were cleansed, every thing would appear to man as it is, infinite.”
("Se as portas da percepção estiverem limpas/ Todas as coisas se apresentarão ao homem como são, infinitas").

Morrison desenvolveu um estilo de cantar único e um estilo de poesia a tocar fortemente no misticismo.


Envolto num certo mistério, Jim Morrison ficou conhecido como o vocalista principal do grupo The Doors e uma das figuras mais carismáticas da música rock de sempre.


A sua voz de barítono era única neste género de música.

Ainda hoje, muitos fans, estudiosos do rock e jornalistas discutem sobre a sua “persona" teatral, o desejo de auto-destruição e o seu trabalho como poeta, a sua inclinação para as artes. Porque, além de músico, Morrison deixou também vários livros de poesia e realizou um documentário e uma curta metragem.

Para essa fama e áurea, contribuiu certamente a morte, muito jovem, aos 27 anos, no auge do sucesso. Morte obscura (1), na banheira de um quarto de hotel em Paris, possivelmente atribuível a drogas e álcool.
Um ano antes, fora condenado por provocação e conduta "libidinosa", durante um concerto em que, numa provocação violenta, insulta a platéia e tem "atitudes obscenas", segundo a acusação.

Recentemente foi perdoado... (2)

Em 1991, o realizador Oliver Stone dedica-lhe um filme, The Doors.
The Doors é um “biopic” (filme biográfico) de 1991, sobre a banda rock The Doors que insiste sobretudo na figura do vocalista , Jim Morrison.
Val Kilmer é Jim Morrison, Meg Ryan vai ser a companheira de Morrison, Pamela Courson.

O filme retrata Morrison como o icon mais famoso dos anos 1960 e do rock and roll, da “contracultura” ( termo que se refere aos valores e normas de comportamento de um grupo cultural, ou “subcultura”, que se desenvolve a par da corrente social vigente numa época e num país -e contra ela. É equivalente a “oposição política”. É um neologismo atribuído Theodore Roszak).

E ao estilo de vida que defende o uso livre de drogas livre e a liberdade da vida hippie.


Mas o retrato vai além do “icónico”: o alcoolismo, o interesse -no plano espiritual- pelas drogas alucinogéneas, o misticismo e, especialmente, a obsessão crescente da morte.

(Podem ver este vídeo sobre o grupo rock.)

(1)
"Jim Morrison morreu em 3 de Julho de 1971, na banheira, aos 27 anos de idade. Muitos fãs e biógrafos especularam sobre a causa da morte, se teria sido por overdose,pois embora Jim não fosse conhecido por consumir heroína, Pam -a sua companheira- fazia-o (morreu de overdose em 1973). Outra hipótese seria um assassinato planeado pelas próprias autoridades do governo americano.
Morrison foi referido como sendo o nº 4 a morrer misteriosamente, tendo sido os três primeiros Jimi Hendrix, Janis Joplin e Brian Jones (todos mortos com 27 anos).
O relatório oficial diz que foi "ataque de coração" a causa da sua morte. Está sepultado no famoso cemitério do Père-Lachaise em Paris. Devido a actos de vandalismo de alguns fãs, por diversas vezes a associação de amigos do cemitério sugeriu que o corpo fosse transferido para outra necrópole."

(2) No jornal espanhol El país de 17 de Novembro de 2010, vem a notícia:

"Florida quiere perdonar 41 años después a Jim Morrison" é o título do artigo assinado por Manuel Cuéllar:

"El músico murió con dos causas penales abiertas por escándalo público y lenguaje obsceno
Todo ocurrió en la noche del primero de marzo de 1969.
The Doors, que ya se habían convertido en un fenómeno de masas en Estados Unidos, se subieron al escenario del Miami's Dinner Key Auditórium para dar un concierto. Jim Morrison, como otras muchas veces, se plantó frente al público absolutamente borracho y, probablemente, bajo el efecto de alguna de las drogas de las que era consumidor habitual. Sus tres compañeros de banda comenzaron a tocar y Morrison decidió darle un discurso a la audiencia.

Un discurso sobre los derroteros que tomaba el movimiento juvenil de finales de los sesenta, sobre una masa dirigida y dominada... La cosa degeneró hasta el insulto: "Sois todos una panda de gilipollas", gritó el músico y supuestamente se bajó la bragueta y le mostró de manera desafiante y desdeñosa su pene a la concurrencia.

El concierto terminó como el rosario de la aurora tanto que el suceso desembocó en la detención del cantante que fue acusado de conducta lasciva y libidinosa, un delito grave, en el Estado de Florida.

Morrison fue juzgado y hallado culpable en 1970. La fiscalía presentó como pruebas unas fotos de aquella velada en las que se muestra al líder de The Doors pasado de rosca y tocándose su zona genital o a cuatro patas mirando fijamente y muy de cerca las cuerdas de la guitarra de su compañero Robby Krieger.

La sentencia: multa de 500 dólares y seis meses de trabajos forzados. Una condena que nunca cumplió ya que sus abogados apelaron y la nueva vista no pudo celebrarse puesto que el músico ya había sido encontrado muerto en la bañera de su piso en París en 1971 a la edad de 27 años.

El martes el gobernador de Florida, Charlie Crist, dijo que presentará oficialmente el nombre de Morrison a la junta de indultos de su estado como candidato para ser perdonado por las dos condenas de la estrella de rock.

Crist dijo en una entrevista telefónica concedida a The New York Times :

"He decidido hacerlo simplemente porque creo que es lo que hay que hacer. En cierto modo parece una conclusión trágica que el legado en la vida de un joven sean esas condenas. Y ni siquiera estamos seguros de lo que realmente ocurrió. Cuanto más he leído sobre el caso y más me ha informado sobre ello, más convencido estoy de que tal vez se haya cometido aquí una injusticia".


Talvez tenha também tido importância na decisão do governador o facto de sair brevemente nos ecrãs um filme/documentário de Tom Dicillo: When you are strange , sobre The Doors e Jim Morrison no qual se conta de maneira muito fiel o que ocorreu na Florida na noite daquele concerto.

Algumas imagens deste documentário de Tom Dicillo, neste link:
http://whenyourestrangemovie.com/

Obras poéticas de Jim Morrison:

*The Lords and the New Creatures (1969)
*An American Prayer (1970) impresso particularmente por Western Lithographers. (existe uma edição não autorizada publicada em 1983, por Zeppelin Publishing Company.)

Outras publicações:
Wilderness: The Lost Writings Of Jim Morrison (1988)
The American Night: The Writings of Jim Morrison (1990)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Poesia na "presença": Edmundo de Bettencourt e Carlos Queiroz


quadro do pintor Souza-Cardoso, que colaborou na "presença"

Marc Chagall, o poeta

o poeta Edmundo de Bettencourt

capa de "presença", desenhada por José Régio (intitula-se "a que ficou sem par")

Edmundo de Bettencourt


Chagall, o poeta e a sua musa...

1.


Sou rouxinol que se arrasta,
Ferido, junto das casas...
Passo as noites a cantar
A morte das minhas azas!

Quanto o meu canto mais sobe,
As almas cantam comigo;
Quem não canta o que lhe morre!?
- cantar é um alto castigo!

(Ó vozes lindas –desenhos
do que, sem arte, os atributos
sulcaram, fundo, nas coisas
que são: Divinos e Brutos!)

Em troca de luz, o Sol
Bebe-nos gotas de chôro...


2.

Quem não quer morrer não sabe
Que a Morte é mais preferida:
- vive-se à custa da Morte...
- morre-se à custa da Vida...


outra pintura de Júlio, o poeta Saúl Dias

o poeta Carlos Queiroz

Carlos Queiroz

O cego deu à manivela
Da velha e triste pianola
Que era a alegria da vila:
Mas já ninguém vem à janela...
- Pois vindo davam-lhe esmola
E ocultos podem ouvi-la.

in "presença" nº 10, de 15 de Março de 1928

(uma pianola, ou "orgue de barbarie", ou "limonaire" era um pouco assim: em Paris ouviam-se, os poetas falam deles, os cantores também...)

e isto seria um rolo da pianola...


Outro poema de Carlos Queiroz, "Desaparecido"


Desaparecido

Sempre que leio nos jornais:
«De casa de seus pais desapar’ceu...»
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.
Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser o próprio arrais.
Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas desprezasse, consciente e forte,
O porto do arrependimento.
Eu, que pudesse, enfim, ser eu!
- Livre o instinto, em vez de coagido.
«De casa de seus pais desapar’ceu...»
Eu, o feliz desaparecido!

Carlos Queirós "Desaparecido e Outros Poemas", Lisboa, Livraria Bertrand, 1950

NOTAS BIOGRÁFICAS :


1. Edmundo de Bettencourt
Nascido há mais de cem anos na cidade do Funchal (1899-1973), Edmundo de Bettencourt é um dos intelectuais ligados ao movimento da Presença que de todo não mereceu a glória a que tinha direito, talvez por um excesso de discrição e modéstia ou ainda porque os tempos de Coimbra desses anos 20 o motivaram para ser, a par de outros cantores como Menano, Paradela ou Góis, um dos aedos dessa Coimbra inspirada nos acordes melodiosos da guitarra de Artur Paredes, em canções que ainda hoje de escutam com toda a comoção e emotividade, como "Samaritana", ou "Coimbra Menina e Moça".
E assim Coimbra e os seus mistérios, sem boémias excessivas, fizeram que Bettencourt se tornasse no poeta que em 1930, em edição da Presença, publicaria o seu primeiro livro O Momento e a Legenda.”

(In “Página da Educação)

ver:

sobre "presença" e presencismo ver:

obras de Edmundo de Bettencourt:

POEMAS DE EDMUNDO DE BETTENCOURT
Introdução de Herberto Helder
Assírio & Alvim
Lisboa, 1999.

Edmundo de Bettencourt e o Fado de Coimbra:

ouvir um fado com letra do poeta:
http://www.youtube.com/watch?v=b6jC_seTaeA

Edmundo de Bettencourt foi também uma figura famosa do fado/canção de Coimbra: dizem que tinha uma muito especial e que va interpretar novos temas neste fado.

Não encontrei nenhum "video" com a voz dele mas deixo-vos a letra de um dos poemas: "Coimbra menina e moça":

"Coimbra menina e moça/ Rouxinol de Bernardim/ Não há terra como a nossa/ Não há no mundo outra assim/Coimbra é de Portugal/ Como a flor é do jardim/ Como a estrela é do céu/ Como a saudade é de mim. "

ou temas de outras zonas do país, por exemplo do Alentejo:

"Lá vai Serpa, lá vai Moura/ Ai, as Pias, ficam no meio/ Quem vier à minha terra/ Ai, não tem que ter receio/ Teus olhos linda morena/ Ai, deixam-me a alma sombria/ Quero-te mais ó morena/ Ai, do que a luz de cada dia".

2.

Carlos Queiroz (ou Queirós)

Nasceu a 5 de Abril de 1907, em Lisboa, e morreu a 27 de Outubro de 1949, em Paris.
Frequentou o curso de Direito da Universidade de Coimbra, onde conviveu com um grupo de escritores presencistas.
Ensaísta, crítico literário e de arte, estudou Direito na Universidade de Coimbra. Assíduo colaborador da "presnça" e de outras publicações literárias, foi considerado um elo de ligação entre a geração presencista e a do Orpheu.

Organizou, em 1942, com António Pedro e Jorge de Sena, uma "Homenagem a Arthur Rimbaud". Para além de amigo e o responsável pelo conhecimento travado entre Fernando Pessoa e Ofélia Queirós, sua tia, que resultou numa relação amorosa, foi também um acérrimo exaltador da memória daquele poeta (cf. "Carta à memória de Fernando Pessoa" e "Homenagem a Fernando Pessoa", ambas publicadas na Presença, em 1936).

Considerado um discípulo directo de Fernando Pessoa, a sua poesia caracteriza-se pela perfeição formal, pelo equilíbrio e sobriedade e pela sugestão musical. Denuncia alguma herança romântica e certa aproximação ao simbolismo.
Os seus temas principais são os da nostalgia da infância, do amor e do ofício de poeta, temas tradicionais envoltos num certo humor irónico, num estilo depurado que conjuga classicismo, romantismo e modernidade.

Escreveu Desaparecido (1935, Prémio Antero de Quental) e Breve Tratado de Não-Versificação (1948). Deixou, também, inéditos, incluídos no volume póstumo Poesia de Carlos Queirós (1966). É, ainda, autor dos ensaios "Homenagem a Fernando Pessoa" (1936) e de uma "Carta à Memória de Fernando Pessoa", publicada na Presença, nº 40, Julho de 1936.

(informações "colhidas" in infopédia)

Bibliografia:

Desaparecido, (Poemas) 1935;
Breve Tratado de Não-Versificação,
Lisboa, 1948;
Desaparecido: Breve Tratado de Não-Versificação, in "Obra Poética I", Lisboa, 1984;
Epístola aos Vindouros e Outros Poemas. in "Obra Poética II", Lisboa, 1989

Edmundo de Bettencourt: " Coimbra menina e moça", canta A Capella

Mais uma letra de Edmundo Bettencourt, o fado "Coimbra menina e moça"

domingo, 21 de novembro de 2010

Monet, em Paris, atrai multidões!

Claude Monet, auto-retrato

Palais Royal, inauguração da Exposição sobre Monet

Monet, Paris, Boulevard des Capucines
ponte japonesa sobre o lago na sua propriedade
De facto, a Exposição sobre a obra de Monet atrai multidões.

Não me interessa o porquê: fenómeno de massas? Movimento turístico? porque se trata de Paris.

Talvez.
Monet, barcos numa regata


Mas a verdade é que acontece e isso dá-me grande alegria, porque Monet é um dos meus pintores preferidos.

Monet, o porto do Havre
A sua pintura é única, inconfundível.

Os tons rosas, os azuis de vários matizes -acho que nenhum artista usou tanto o azul!- , o lilás, o verde das águas, dos lagos de nenúfares, das paisagens, sempre mutáveis conforme o céu azul, ou coberto de nuvens...
série de nenúfares "les nymphéas"


Pela variedade de cores e luz e momentos, dentro do mesmo quadro, como usava fazer nas séries de "nenúfares", da estação de comboios de Saint Lazare, em Paris.
algumas das várias "visões" da Gare Saint-Lazare
O nascer da aurora, com um sol já incandescente, ou o pôr do sol, com os seus roxos e amarelos dourados dos últimos raios na água
Monte, entardecer no mar
Ou as fachadas de igrejas ou as esguias torres de Westminster, as pontes e os barcos, paisagens, campos de papoilas com jovens mulheres de sombrinha...Londres, Westminster (em baixo) e a ponte de Waterloo (em cima).
Li no jornal Le Monde de hoje, que, por especial motivo, a exposição “Monet 1840-1926”, aberta no passado mês de Setembro, vai ter “três noites loucas”, isto é, nos últimos três dias as salas do Grand Palais que abrigam a Exposição ficarão abertas de dia e de noite.

O que quer dizer que do dia 21 de Janeiro às 9 horas da manhã até ao dia 24 de Janeiro àsd 9 horas da noite estará aberta a todos...
Boas notícias para quem lá estiver...

Outra parte da notícia interessou-me ainda mais. Esta experiência segue de perto o que foi feito para a Exposição “Picasso et les maîtres” (2008).

Diz o organizador -e presidente da RMN (Réunion des Musées Nationaux)- Thomas Grenon:

Picasso mostrou que a noite atrai um público especial, que vai pouco ao museu,que é mais jovem, mais activo também. Esse público recolhia-se em silêncio diante dos quadros.”

Gostei porque isto é a prova de que a juventude é tão sensível como sempre foi (ou não foi), não “piorou”, como para aí dizem.