sábado, 20 de novembro de 2010

TOLSTOI MORREU HÁ CEM ANOS. RECORDO "GUERRA E PAZ"

Leão Tosltoi, pintado pelo pintor russo, Nicolai Ghe

casa onde Tolstoi viveu em Moscovo, hoje casa-museu

capa da 1ª edição portuguesa de "Guerra e Paz", Editorial Inquérito ( três volumes, 1942, tradução de José Marinho)

edição brasileira, recentemete reeditada, 4 volumes, com tradução de João Gaspar Simões

Tolstoi, pintado por Ilya Repin, em 1887

Era impossível não vir lembrar Tolstoi, nesta data.

Tudo já foi dito sobre ele, não vou de certeza acrescentar nada. É apenas a minha homenagem de leitora a um escritor que me ajudou a crescer, que me fez bem e me acompanhou na vida.
uma das últimas fotografias de Tolstoi


Foi com certeza o escritor que mais apreciei -e “Guerra e Paz”, o livro que mais amei. Basta ouvir este nome para, do nada, surgirem imagens, sentimentos, a beleza da natureza em todo o seu esplendor, a vida e a morte...

Muito cedo me deslumbrou. Era tão estranho descobrir um livro assim! As personagens pareciam ter vida, eu seguia-as como se as conhecesse, não as largava, ia atrás delas, perdida e encantada, durante tardes inteiras, procurando os cantos mais escondidos da casa para não me virem interromper.

Os Rostov, antes de mais. A loucura das brincadeiras dos filhos adolescentes, as corridas pelos salões, os risos, a inconsciência e a imprevidência deles eram para mim reais.

Chegava a rir-me deles. Ou com eles. Tínhamos a mesma idade, podiam ser amigos...

E, nesse décor, desponta a figura atrevida de Natasha, ainda criança, como uma estrela que conduz os outros, brilhante, irreverente e egoísta. E Sónia - a parente pobre- que a segue, rendida, sem lhe poder resistir.

Vem, a seguir, o príncipe André Bolkonski, taciturno, reservado fechado no seu mundo interior. E a jovem Lise, a primeira mulher, figura apagada, suavemente queixosa. O seu parto doloroso e o sofrimento inútil.
A princesa Maria Bolkonskaya e o velho príncipe Bolkonski tão severos, recatados -tão diferentes daqueles “loucos” da família Rostov- e a generosidade de Maria e a sua dedicação ao pai.

Mais tarde, é a bondade de Pedro Bezukhov e a ingenuidade e credulidade que me enternecem. Pedro, quase a antítese de André, é expansivo, comunicativo, mas tímido. Interessa-se por tudo o que o rodeia, mas de modo quase infantil, desajeitado, infeliz.

Assim de repente, é o que recordo dessa primeira leitura. Sei que “saltei” praticamente toda a “guerra”...
Anos depois, senti a necessidade de ler o livro. Desta vez a sério. E, mais tarde ainda, voltei a lê-lo.

E penso ainda voltar a ler esse maravilhoso livro!

Achei engraçado ler no último “Magazine Littéraire” (que lhe dedica um “dossier” de várias páginas) o que escreve a filósofa Catherine Clément quando afirma “sentir necessidade de ler esse romance todos os anos”.
Talvez seja um exagero, mas posso compreender tão bem o que ela diz...

O que se descobre na “releitura” da obra é tão importante! Pequenas coisas, aparentemente insignificantes, ganham outro sentido lendo-as sob outras perspectivas, ou outra idade, enriquecem a nossa procura, ajudam-nos nas nossas dúvidas. Enriquecem-nos.

Clément acrescenta ainda: “é um livro “terapêutico”, que faz bem, dá vida, dá força aos que perderam a alma.”

Mais adiante: “(...) ninguém falou tão bem da alternância entre a alegria de viver e a angústia, ninguém falou tão bem do medo da morte, tão difícil de descrever.”

Cito estas opiniões porque me sinto de acordo com elas e não saberia expressá-las melhor. o general Kutuzov, no campo de batalha de Borodin, onde ficam caídos tantos jovens russos...

Da segunda leitura –ou talvez da terceira- foi a guerra que me atraiu pelas descrições maravilhosas; pela figura do grande general Kutuzov, na batalha de Borodine, contra Napoleão; pelo sofrimento “verdadeiro” dos soldados, “carne para canhão”, que hoje continuam a sê-lo.
Tão evidente e presente no nosso quotidiano: as cenas de violência, de guerras sangrentas, de tumultos, de catástrofes perseguem-nos, tornaram-se lugares-comuns, em imagens cada vez mais delirantes e chocantes. Cada vez menos “sentidas” por quem as vê. Numa certa forma de indiferença...
uma imagem da 1ª edição de "Guerra e Paz", em russo



Lembro o príncipe André Bolkonski, ferido na batalha, o que ele pensa (“amo a vida!”-Ia ljublio gizna ) e o que vê no céu acima dele. "tão sereno", como dizia Camões...
Indiferente.

Há ainda a “figura” do célebre castanheiro que acompanha a vida dos personagens e que o autor descreve, nas diversas estações, e vai seguindo, observador silencioso, o desenrolar do romance, entre a alegria de viver e a angústia e a morte...

De tal modo Tolstoi marcou o seu tempo que o escritor russo Ivan Tourgueniev (*) lhe vai escrever, no leito de morte:

“Sinto-me feliz por ter sido seu contemporâneo, porque o senhor é o maior escritor da terra russa.”
Thekhov e Gorki, Bunin, admiram-no e visitam-no, no retiro de Iasnaya Polyana.

postal com retrato de Tolstoi, em 1905 , no seu jardim de Iasnaya Polyana

Ao longo da vida, Tolstoi procurara um sentido para a vida. Tentara “compreender e formular a aspiração ao bem e à perfeição, dignificando a sua vida. É essa a atitude de alguns dos seus personagens: o pequeno Nicolenka, de “Infância”, ou Pedro Bezukhov, André Bolkonski: foi essa igualmente a sua aspiração.

outro retrato de Tolstoi, por Repin, 1901, descalço e com a roupa que usavam os camponeses das suas terras


Nos últimos anos, parece ter encontrado uma solução. Na procura de um ideal de não-violência, de justiça social...

Corresponde-se com Gandhi que o procura e o respeita. Vai ser o "seu mentor" - e o de outros "pacifistas", como Luther King que o seguiram na sua forma de "resistência" pacífica.


“Guerra e Paz” é com certeza a sua obra-prima. É um fresco que se estende por várias décadas de vida de algumas famílias da aristocracia russa. Iniciada a sua escrita em 1864, é publicada em 1869.

Nos últimos anos, procura seguir um ideal de não-violência, de justiça social, que procura aplicar nas suas terras.

Há, ainda, a reacção do grande escritor francês, Flaubert, que, ao ler “Guerra e Paz”, não resiste e vai exclamando:

“Esta é de primeira ordem! Que pintor e que psicólogo!”

Creio que é o alternar entre o pintor e o psicólogo que marcam a sua diferença e grandeza ...

Quando Leão Tolstoi morre, no Outono de 1910 de há cem anos, o seu enterro atrai uma multidão, que chora e se lamenta, e entra pela propriedade do escritor, em Iasnaya Polyana, para lhe prestar uma homenagem. Não ao escritor, que desconheciam, mas à pessoa que ele foi.

Que merece ser homenageada, com certeza, mas muito mais o escritor que foi!


(*) Ivan Tourgueniev, romancista russo, autor de "Primeiro Amor" (de que existe uma tradução portuguesa); "Pais e Filhos"; "Histórias Moscovitas".
Grande amigo de Flaubert e Georges Sand, passa grandes temporadas em casa dela, ou de Flaubert, vivendo a maior parte do tempo em Paris.


NOTA:

Vai sair em breve o filme realizado (dia 24 de Novembro) por Michael Hoffman, “O último Outono”, sobre os últimos dias de Tolstoi. É uma co-produção internacional onde participa a actriz inglesa Helen Mirren e Christopher Plummer.


Outras obras de Leão Tolstoi, em português:

"Anna Karénina"
Muitos outros títulos de obras de Tolstoi -e as lindíssimas capas dos livros da Editorial Inquérito- podem ir vê-las neste site da "Livraria Lumière" onde tudo se encontra, com paciência: http://livrarialumiere.blogspot.com/ e com certeza se poderá comprar!

Só que é no Porto. Mas podem encomendar! Foi no Catálogo da livraria online que encontrei e "roubei" esta bela capa de outra "Ana Karenine", o livro por onde a li e que perdi com o passar dos tempos...

Ora vejam se não era bonita:



A nova edição, de "Anna Karénina", 2009, da Qetzal
"Guerra e Paz", 2005, editora Presença
"A Morte de Ivan Ilitch", em edição recente
"Sonata a Kreutzer"



No Brasil, há várias traduções, além da de Guerra e Paz que referi acima.


"A Morte de Ivan Ilitch", por exemplo.

Nota sobre as traduções em língua portuguesa:


"Em português, entre o Brasil e Portugal, temos Nina Guerra e Filipe Guerra, Boris Schnaiderman no Brasil, todos traduzindo directamente do russo; Gustavo Nonnenberg (via versão francesa), Oscar Mendes e João Gaspar Simões, esta última agora reeditada em 4 volumes." (in blog: "talqualmente")

3 comentários:

  1. O seu post prima pela excelência entre a imagem e o texto.
    Obrigada pela sua visita e simpatia.
    Um beijo.

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  2. Um Homem que escreveu sobre a Guerra, lutande pela Paz.
    Um homem que lutou contra o preconceito escrevendo sobre o amor.
    Um homem que defendeu a vida escrevedo sobre a morte.
    Um HOMEM... Lev Tolstoi. Grande. Incomparável.

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  3. thank you for comments i ilke your blog also.
    My post was YEATS not Keats.
    xx

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