terça-feira, 18 de outubro de 2011

O Inverno do nosso descontentamento: Desumanidades dos tempos que correm...

Vem aí o Inverno do nosso descontentamento!


The Migrant Mother (1), 1936, fotografia de Dorothea Lange

A pobreza é chocante! A violência é chocante! A desumanidade é chocante! A hipocrisia é chocante!

Aqui vai mais um pouco de “indignação”: é cíclico...

Há tempos dizia Jean Claude Guillebaud (Nouvel Observateur) a propósito dos tempos que correm:

São tempos de dureza social, em regressão securitária. As sociedades do velho continente caem na precariedade, na exclusão, no desemprego de massa, na desigualdade – e na lógica financeira que transforma os humanos em “variáveis”.”


"Sociedades em que há poucos excepcionalmente, obscenamente, ricos e outros – cada vez em maior número - excessivamente pobres", continua.

Sociedade a de hoje em que a aridez dos sentimentos dói. Em que há ignorância...

Ainda há analfabetos ! Que, é verdade, nem sempre são os verdadeiros "ignorantes"!

"Escola dominical", do pintor russo Voskresnoye

Ainda há quem não coma como deveria comer. Ainda há quem não tenha como pagara renda e seja expulso. Expulsão da casa, do quarto, do cantinho que se tem significa exclusão e, em pouco tempo, degradação, perda da estima de si próprio, desentendimento familiar.

Violência. Desespero. Suicídio.

Solidão.

E, como diz Camões: "o céu sereno" tão silencioso lá no alto!

Há os desempregados que continuam a "aparentar" ter trabalho, escondendo à família a situação real.

Os que aceitam trabalhos que nunca aceitariam na vida, muito abaixo dos estudos que fizeram, do dinheiro que a família e o Estado gastou com eles e que, licenciados em coisas várias, vão parar à caixa de uma loja qualquer, a receber o ordenado mínimo - porque os filhos existem e têm de comer.

O ordenado mínimo que hoje o Governo não quis aumentar...

E há a casa e há a prestação do carro a pagar.

Tudo isto até quando? Um dia já nem esse dinheiro vai chegar.

a secura das rochas escarpadas, no Magoito

Mas há os que têm muito... E muita secura nos corações!

Há a indiferença, há a loucura do "ganho", do "ter mais", que impede esses "seres" de pensarem no outro.

Há empresas importantes e com lucros altos quenão têm escrúpulos de fechar fábricas e "deslocalizá-las - ainda hoje, com a crise!- para outros países!

Até é fácil: falo de Acelor- Mittal, a empresa francesa-belgo-luxemburguesa, dos "aços", da siderurgia, que ainda há dias anunciou que vai fechar duas fábricas e lançar no desemprego milhares de empregados.

Isto é chocante. diria mesmo a tal palavra: "obsceno". Porque mete nojo na sua vulgaridade...

Há os que ainda têm trabalho mas o dinheiro já não chega ao fim do mês. Há os que com a crise, deixaram de comprar os remédios necessários: porque a escolha é tratarem-se...ou comer.

Ou dar de comer...

Fora de casa, vagueiam o dia todo, talvez parando a beber num café ou noutro para aquecer a alma gelada. Que têm os olhos perdidos sem ver, virados para o seu interior vazio e solitário.

Esses mesmos que, à hora de fechar dos supermercados, vão buscar os restos, as latas, os congelados, o esparguete, a comida que está fora do prazo legal. E levam-na para os filhos, para a família...

Há dias contou-me uma amiga professora que os miúdos já chegam outra vez à escola com fome! Outra, disse-me que há crianças à procura de comida nos caixotes do lixo...

Há gente que dantes se chamava de "remediada" que não tem onde dormir. E vai buscar comida à “sopa dos pobres”...

Há quem durma na rua, e o Inverno vem aí! Em França, aqui, em Espanha, enfim, na velha Europa...

O que pensamos fazer a propósito disto?

É impossível não protestar!

Volto a lembrar as palavras de Stephane Hassler: Indignai-vos!

O livro que correu o mundo e inspirou as "primaveras árabes" na Tunísia e no Egipto e todos os "movimentos de indignados" pela Europa e pela América!

Livro que já não sei em quantas línguas está traduzido, sei que em romeno, checo, turco, árabe...

Mas Hessel conclui que esse é só o primeiro passo...

Le Monde - capas das várias traduções do livro de Hessler

Protestar é o segundo...

Lembro as palavras de uma canção de Bob Marley:

"Enquanto a filosofia que suporta uma raça superior e outra inferior não for completamente desacreditada, haverá guerra, eu digo guerra.

Enquanto existirem cidadãos de 1ª e de 2ª classe de qualquer nação, enquanto existir a diferença da cor da pele de um homem e essa for mais importante do que a cor dos seus olhos, haverá guerra.

Enquanto os direitos básicos não forem igualmente garantidos para todos, sem discriminação de raça, até esse dia o sonho de paz duradoura e de cidadania mundial e as regras da moralidade internacional permanecerão como ilusões fugazes para serem perseguidas e nunca alcançadas.”

http://youtu.be/JL9DXaXufh8 (Bob Marley canta "War")

Mas esse dia chegará! Em que a discriminação de raça ou social terminará!

Chegará? Duvidei por um momento... Sim, chegará!

(1) “The Migrant Mother”, fotografia de Dorothea Lange, 1936. Esta fotografia é uma das mais famosas sobre a grande fome nos USA, depois da Grande Depressão. Mostra uma jovem mãe que não quis ficar anónima.

Numa cidade da Califórnia, onde Dorothea Lange a fotografou.

Chamava-se Florence Owens Thompson e está com dois dos sete filhos. O marido morrera em 1931. Desempregado. Ela tentava há anos uma ajuda social, fosse qual fosse, ou um emprego.

Mais tarde, em entrevista (2008), a filha Katherine (a menina escondida do lado esquerdo da foto) confessou que o sucesso da fotografia trouxera vergonha à família de tanta pobbreza.

Eu diria que não seria ela quem deveria ter vergonha...

Mas até isto é fácil de dizer!

Esta é a fotógrafa Dorothea Lange em 1936. É a autora da fotografia que faz parte de uma série. De facto, Dorothea percorreu as estradas da América fotografando a pobreza e a fome...


6 comentários:

  1. Se perdermos a capacidade de nos indignar, perderemos o que ainda nos resta de humano.

    5 bjs

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  2. Gostei muito deste post.
    Até quando tanta pobreza, tanta desigualdade, tanta desumanidade...?
    Às vezes tenho dificuldade em acreditar que há-de acontecer mudança...
    Um beijinho

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  3. MJ,
    Não tenho palavras a não ser indignação!
    O seu post é extremamente valioso.
    Beijinhos. :)

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  4. Por agora, resta-nos a indignação... E a seguir?
    Continuemos a ser HUMANOS!!!!
    Obrigada!

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  5. A fotografia Mãe Emigrante continua a estremecer-nos.
    Estamos a viver uns tempos muito complicados, e não se divisa nenhuma luz ao final do túnel.
    No entanto temos que manter a fé e a esperança, estar vigilantes, e votar à esquerda, sempre à esquerda, e se fôr possível à esquerda da esquerda!
    Por desgraça aqui vai ganhar a direita em novembro, e isso é o que mais "jode".
    Beijinhos, vivamos mientras podamos (y nos dejen)

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  6. Querida Amiga,
    A verdade dolorosa do que escreve dói fundo nos sentires da gente! Tanta verdade e tanta incapacidade de mudar!! Que revolta!
    Estes homens de hoje pouco mais têm de humano do queo nome...
    Beijinhos e boa semana

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