quarta-feira, 20 de junho de 2012

Ainda Portugal e o Japão, "vistos" por Martins Janeira - e outros - e a cerimónia do chá


Sen no Rikyu

pássaros (fotografia de R.A.M.)

O chá é uma das principais cortesias com que se agasalha o hóspede (...), nesta importante arte puseram estas nações muito do seu primor e cortesia.” (decidi "actualizar" a grafia, para facilitar).


Assim fala João Rodrigues, padre jesuíta e escritor -autor da História da Igreja do Japão- citado por Armando Martins Janeira no seu interessante livro: "O Impacte português sobre a civilização japonesa" (pg. 254).

Antes, Luís Fróis, outro intelectual jesuíta, falara da importância da cerimónia do chá na sua História do Japão, descrevendo-a, brevemente.

Mas João Rodrigues debruça-se com mais pormenores, interessando-se não só pelos utensílios usados, as qualidades do chá, o ritual, as escolas e teorias sobre o modo de fazer o chá mas igualmente pela filosofia que está por detrás da cerimónia e que “inspira –como diz Martins Janeira- esta arte rara que, depois de compreendida, permite mais do que qualquer outra penetrar na profunda  formação mental dos Japoneses e na natureza específica da sua sociabilidade.”

"A arte do chá – cha-no-yu, ou, melhor, cha-do - como outras artes, veio da China. Nela estão combinados elementos das duas mais antigas e brilhantes civilizações asiáticas, a indiana e a chinesa (...) Na combinação harmoniosa dos elementos estrangeiros, interveio o génio japonês: do amor da simplicidade e da modéstia, do gosto refinado que suprime a ostentação (...) compôs o Japonês um rito social que ensina a beleza pura da vida e a “geometria moral” que situa o homem no seu próprio lugar num harmonioso universo” (Martins Janeira, oc.p.253)

Explica João Rodrigues: “(...) o banquete não é de excessos e demasia, comendo cada um e bebendo sobriamente (...) e só falam se necessário, havendo em tudo grande modéstia e sossego”.

Mais, insiste: “um modo sem fausto, retirado e solitário à imitação dos solitários do ermo que, afastados do trato mundano (...) se dão à contemplação das coisas naturais”.


E João Rodrigues fala de uma certa rusticidade dos materiais, em terracota simples.

Esta filosofia de vida leva a procurar  a maior pureza na cerimónia e uma forma quase meditativa na atitude.

Segundo Martins Janeira, o primeiro “mestre do chá” japonês –que  definiu nos seu moldes definitivos essa arte, foi Sen no  Rikyu (1522-1591). 


Era um monge budista Zen, nascido em Osaka, e vai "codificar" a cerimónia. Foi mestre do chá  do shogun Oda Nobunaga e, depois, de Toyotomi Hideyoshi.
shogun Oda Nobunaga


Toyotomi Hideyoshi (1610)



Era a época em que os Portugueses andavam pelo Japão, e a arte do chá interessa os jesuítas: era um modo mais de “entrar”  (compreender para evangelizar) no espírito japonês.
biombo em estilo "namban"


Perceberam os astutos jesuítas que este ritual era um meio imprescindível de convívio que o chá implicava.”- escreve Martins Janeira.

Assim se explica que, no cristianismo nascente, surgisse a adaptação de tais rituais-  e que no Japão houvesse influências mútuas.
cristãos japoneses em trajos portugueses (séc XVI)

A cerimónia do chá teria influenciado a liturgia da igreja e, ao mesmo tempo, o ritual do chá japonês “ganhou” alguns aspectos formais da liturgia católica. (oc. pgs. 258, 259)

Ginkakuji (1473) talvez a primeira casa de chá


“ A semelhança de certos gestos é tal que não pode deixar de se notar à primeira vista. Fróis conta como So-i Antão convida um padre a celebrar a missa na sua casa de chá, que os Japoneses olham com a maior reverência, pois têm a sua  pureza como o maior consolo na terra.”

U
shogun Tokugawa Hidetada

Um dos mais  conhecidos mestres do chá foi um "cristão" da família Takeida que, além de entendido nesta arte também se entendia em espadas. O shogun Tokugawa Hidetada premiou-o pelas duas artes...
                                          Hideyoshi Yoshi, shogun trepador e lua

Muitos “mestres de chá” eram, pois,  cristãos – ou tinham simpatias por essa religião...


Takeyama Ukon, o guerreiro cristão (morre em Manila, em)

O general cristão do shogun  Hideyoshi, que se chamava Takeyama Ukon, no seu Castelo de Takatsuki manda celebrar a cerimónia do chá a seguir à missa... Convertara-se com o pai, importante senhor da terra, em 1564, e fora baptizado com o nome de Justo. 
(Nota: Quando os missionários portugueses são expulsos em 1587, refugia-se em casa de amigos cristãos, mas, quando a religião krishinita é proibida no Japão por Tukugawa Ieyasu (1614) acaba por fugir para Manila (onde morre, em 1615), procurando refúgio junto dos jesuítas espanhóis.)


o shogun Tokugawa Ieyasu

O próprio Sen no  Rikyu terá sofrido a influência de São Francisco Xavier, Fróis e outros, segundo diz Martins Janeira.

Parece, aliás, ter sido por ter descoberto uma ligação entre ele e um grupo de cristãos rebeldes, a razão pela qual o shogun Hideyoshi o mandou fazer hara-kiri, aos 71 anos...
o que resta hoje da casa de Sen no Rikyu, em Osaka

Ikkyu Sojun, outro mestre do budismo Zen

Nem tudo eram rosas, nesta arte, pelos vistos...


Resta-nos a beleza, a simplicidade e a pureza da cerimónia do chá. E a admiração que os portugueses sentiram por ela quando a descobriram.

3 comentários:

  1. MJ,
    Que beleza de post. Sou fã de chá e de tudo que vem do Oriente. A arte é bela, as palavras são belas. Uma felicidade vir até aqui.
    beijinho. :))

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  2. Bela viagem.
    Gosto de chá, agora gosto ainda mais...

    Saudações

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  3. Lindíssimo, a importâncis dos gestos, que só sabemos quando já estão socialmente perdidos. Todos os rituais escondem uma filosofia de vida,
    maravilhosa a cerimónia do chá, refinada e simples ao mesmo tempo — " rito social que ensina a beleza pura da vida e a geometria moral que situa o homem no seu próprio lugar num harmonioso Universo".
    Este post dá paz!
    Muitos beijinhos

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