sábado, 12 de julho de 2014

A Música e os Homens: Yehudi Menuhin, violinista e maestro...

Ofereceram-me um livro, hoje. Foi comprado na Feira de Cascais e custou 2 euros! É uma autobiografia de Yehudi Menuhin e intitula-se "Voyage Inachevé" (Seuil, 1976).



Penso nas sinfonias inacabadas de tantos músicos, penso por exemplo em Schubert  e Beethoven... A vida é uma sinfonia -ou uma viagem- sempre inacabada também. Incompleta, por vezes imperfeita. Que se deve preencher de coisas: de gestos, de beleza, de conhecimento, de generosidade e de amor. Foi o que Menuhin fez durante essa sua "viagem"...


Escreve George Steiner no Prefácio dessa autobiografia:

“Com uma modéstia tão natural que quase parece arrogância, Menuhin diz-nos que a linguagem das palavras lhe parece incómoda. No entanto escreve com uma velocidade e um ritmo dignos do modo como toca. O leitor descobrirá no livro os melhores momentos da sua vida: Einstein que corre para o palco da sala de concerto em Berlim para proclamar ao jovem violinista, siderado, que há um Deus no céu. (…) 

"Também, as manifestações de humanidade que vão para além da arte: a estadia em Belsen, pouco depois dos presos do inferno terem sido libertados."

Em 1945, Menuhin vai tocar para esses ressuscitados...


à venda na Amazone...

Por outro lado, "(...) o seu engagement vital com a causa de Israel; as viagens à União Soviética e o papel que desempenhou para permitir aos artistas russos serem ouvidos no Ocidente.”

"Mas antes do mais", continua Steiner, "este livro é uma história de amor. Relata sem limites o amor de Menuhin pela música e por alguns seres (…)”

A música é-nos oferecida pela vida”, afirmava o grande violinista e director de orquestra.

"Sem dúvida, mas quantos têm a possibilidade de retribuir esse dom?”, pergunta Steiner.



Tanta coisa bela na sua vida ligada, toda ela, à música desde criança. A família do artista, cultos, que chegam à América e são pobres. Os pais, judeus originários da Bielorússia o pai e da Crimeia a mãe, tinham-se encontrado em Telaviv. O pai, Moshe, fora mandado pela própria mãe, na altura dos pogroms de 1904-5, com 11 anos, para casa dos avós que já estavam em Jerusalém. A mãe imigrara para Telavive, onde se conhecem na Universidade. Acabam por emigrar separadamente, muito jovens, para a América. E... reencontram-se lá. Estão sós. Decidem casar, ele com 23 e ela com 20 anos.

Yehudi nasce em 22 de Abril de 1916 e chama-se assim - o Judeu- porque, ao procurarem uma casa em Nova Iorque, a dona do apartamento lhes diz, em segredo: "não se preocupem porque eu cá não recebo judeus!"

Além de não terem alugado a casa, a mãe dele decidiu chamar ao filho que ia nascer Yehuda...
Depois nascem as irmãs -primeiro Hephzibah e depois Yaltah que  vão ser, como ele, figuras importantes na música deste século, pela acção que tiveram.


à esquerda, Hephzibah com Yehudi, à direita os 3 irmãos

Vou ler o livro com muita curiosidade. Há tanto tempo que admiro Yehudi Menuhin:  o músico e o homem!

Escreve ainda Steine: 
“Tantas coisas que Menuhin fez e que omite na sua história, tantas coisas ligadas à causa tão difícil da compreensão mútua dos povos e dos homens, ao sonho de uma reconciliação entre Israel e os Árabes;

à preservação de uma ilha onde todos os pássaros poderiam fazer o ninho em paz; 

e, ainda, à quantidade de jovens músicos de uma dúzia de países diferentes que acabam a sua formação musical graças à escola criada por Yehudi Menuhin, em Stoke d’Abernon, no Surrey."
A partir de 1957, passaram a ocorrer todos os anos os festivais Yehudin Menuhin na cidade turística suíça de Gastaad. O músico fundou em 1963 a Yehudin Menuhin School, em Londres, dirigindo também os festivais de Bath (1959-1968) e Windsor (1969-1972). Aberto a novas influências, realizou concertos com o virtuoso indiano da cítara, Ravi Shankar, e com músicos de jazz. Comprometido com a necessidade de um entendimento entre as nações, fez parte do Conselho Musical da Unesco entre 1969 e 1975. Em 1970, adquiriu a nacionalidade suíça e, em 1985, a britânica. Suas memórias foram publicadas no livro Uma Viagem Inacabada, editado em 1976. 
Igreja St. Mary's, Stoke d’Abernon, no Surrey


a bailarina inglesa Margot Fonteyn e Menuhin

 Em 1991, ao receber o Prémio, atribuído em Israel a personalidades da Cultura e da Ciência, o Woolf Prize, no seu discurso na Knesset (Parlamento), Menuhin critica o governo porque, para ele, era importante a reconciliação entre israelitas e árabes e achava que o governo não teria feito o suficiente para aliviar certos sofrimentos do povo que vivia ali ao lado. 

Aproxima-se da música e da filosofia indianas. Visita Indira Gandhi e Nehru.  
Dedica-se ao yoga profundamente, com o seu mestre yogi.

Yehudi Menuhin com Ravi Shankar 

Conhece Ravi Shankar com quem toca frequentemente ao longo dos tempos.
De tudo o que se refere à música ele é curioso - e tudo lhe interessa. 



Aproxima-se da música de Jazz manouche e toca com Stephane Grapelli de quem é amigo até ao fim da vida.



Pensava e com razão que cada gesto conta e a educação muitíssimo! Educar as crianças a respeitarem as diferenças! 

Entre outras coisas, dizia: “A música é um encontro humano”. Ou:  “ A música é a expressão da vida
A música era para ele "a linguagem mais precisa e mais transparente no campo emocional, só idêntica à linguagem de um verdadeiro poeta"...

Yehudi Menuhin toca na rua para ganhar dinheiro

No entanto, é um esforço que deve vir dos dois lados, é evidente! Sem esquecer que a paz tem de se fazer é com os inimigos! 

Se reconciliar o mundo é demasiado ambicioso, pelo menos podemos educar as crianças a respeitarem as diferenças, que são o que nos permite aprender: Se todos fossemos iguais, não teríamos nada para oferecer aos outros.”

E Steiner termina a breve introdução, lembrando as "divisas" do grande Músico: “Nunca me resignei!” e “Passei a minha vida a realizar utopias”.
"vamos realizar as nossas utopias!"

Sigo-as há muito sem saber que ele pensava o mesmo: e aconselho-as aos amigos que me leiam: 

"Resignação? Nunca! Vamos realizar as nossas utopias!"´

Até o sonho de Yehuda (cujo nome se traduz "o Judeu") pode um dia realizar-se: o sonho de uma reconciliação entre Israel e os Árabes!

E o mundo seria essa "ilha onde todos os pássaros poderiam fazer o ninho em paz".

As utopias realizam-se! Basta querer. E estar vivos...


Menuhin morreu em Berlim a 13 de Março de 1999...

Mais sobre Menuhin:

"A partir de 1957, passaram a ocorrer todos os anos os festivais Yehudin Menuhin na cidade turística suíça de Gastaad. O músico fundou em 1963 a Yehudin Menuhin School, em Londres, dirigindo também os festivais de Bath (1959-1968) e Windsor (1969-1972). Aberto a novas influências, realizou concertos com o virtuoso indiano da cítara, Ravi Shankar, e com músicos de jazz. Comprometido com a necessidade de um entendimento entre as nações, fez parte do Conselho Musical da Unesco entre 1969 e 1975. Em 1970, adquiriu a nacionalidade suíça e, em 1985, a britânica. Suas memórias foram publicadas no livro Uma Viagem Inacabada, editado em 1976.
(...)
"Ganhou, em 1977, o Prêmio da Paz dos libreters alemães; recebeu o título de sir de Sua Majestade Britânica, em 1985; em 1990, foi galardoado com o Prémio Glenn Gould; e, em 1997, recebeu o Prémio- Príncipe de Astúrias da Concórdia juntamente com Mstislav Rostropovich pelo seu compromisso pessoal com o qual realizaram as melhores contribuições à liberdade, a defesa dos direitos dos débis e das causas mais nobres, e que com a universalidade da sua música contribuíram demais para a harmonia e a união dos povos." (wikipedia)

(*) Woolf Prize: To award prizes to outstanding scientists and artists for achievements in the interest of mankind and friendly relations among peoples. The prize is awarded irrespective of nationality, race, color, religion, sex or political views.






Biografia breve:

"Nascido em 22 de abril de 1916 em Nova Iorque, Yehudi Menuhin foi não só um dos mais virtuosos violinistas, mas também um dos mais célebres intérpretes da música no século passado. Ao longo de sua vida, o músico realizou centenas de atuações ao vivo e dedicou-se também à direção de orquestras desde 1960 (a partir dos anos de 1990, esta tem sido a sua atividade quase exclusiva). Aos 7 anos, surpreendeu como "menino prodígio", atuando com a San Francisco Symphony Orchestra. Apareceu, depois, aos 11 anos, no Carnegie Hall de Nova York e, aos 13, em Berlim, interpretando concertos para violino de Bach, Beethoven e Brahms. Durante a Segunda Guerra Mundial, tocou para as tropas aliadas em centenas de concertos, fazendo por vezes duo com o compositor britânico Benjamin Britten. Bela Bartok compôs uma sonata para ele, que foi estreada em 1944."

5 comentários:

  1. Muito interessante!

    Quando deixamos de acreditar, perdemos um sentido para a existência. Ter sonhos/planos/acreditar numa utopia...é o motor que nos faz andar e avançar. Quando não acreditamos em nada, vegetamos.

    Eu também acredito que o respeito pelo outro e pela diferença, é a base do entendimento, mas seja em que conflito for, tem que ser recíproca.

    Todos temos que tentar.

    2€ - é a prova que apesar de tudo ainda se pode ler bons livros por bom preço; basta saber procurar e escolher! Eu adoro comprar livros assim, preciosos achados!

    Um beijinho e bom domingo:)

    ResponderEliminar
  2. Deve ser um livro muito interessante. Registo muitíssimo interessante.
    Gosto muito de biografias, então de músicos, bailarinos, pintores, enfim homens das artes e das letras, apaixono-me.
    Estas paixões são benéficas para cortar as rotinas.
    Beijinho grato.:))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Comecei a lê-lo ontem. Saber que foi ele que o escreveu, impressiona: ele é um Mestre! Gosto mais de auto-biografias, confesso, raramente leio biografias. O Manuel é que adora.
      beijinho

      Eliminar
  3. Claro que se pode sempre tentar comprar um livro! Mais fácil, ou mais difícil, poupando aqui ou ali, é uma questão de escolha! Um beijino

    ResponderEliminar
  4. Há vidas apaixonantes, muitíssimas. Confesso que é a única coisa de que tenho inveja na vida.
    Beijinho, gostei muito das divisas, que não sou capaz de seguir, sempre fui muito pragmática e céptica ( agora cética? Nego-me em redondo!)

    ResponderEliminar