quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Sagan/ Kurys/ Testud: três mulheres e um romance...



Françoise Sagan, cujo nome real era Françoise Quoirez, foi uma escritora francesa. Nasceu em  1935 e morreu em 2004. 




Penso que a ela se podem adaptar estes versos do "nosso" Fernando Pessoa.


"Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
          No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
          Brilha, porque alta vive."

O filme Sagan de 2008, que passou na Art/TV, há pouco, trouxe de volta uma escritora que ouso dizer profunda e importante. 

Considerada por alguns, escritora “light”, de temas anódinos, de "burguesa" mimada, é de facto uma mulher que fala da tristeza, da (sua) solidão irrecuperável, da adolescência que não aceita perder, da rebeldia e a insatisfação que nunca a abandonarão até ao fim. 



Sentimentos “pequeno-burgueses”? O que é isso? Sentimentos são sentimentos e basta. A vida dela era como um romance,  mas um romance triste...

"Mademoiselle Tristesse", como lhe chamaram, sofria de tristeza, de melancolia - e sabia escrever sobre isso.  A tristeza dói e a melancolia deixa marcas nos olhos...

Gostei de  ler “Bonjour Tristesse”, há muitos anos, e gostei do que ela disse sobre si própria, numa longa entrevista, na ARTE,  pouco tempo antes de morrer.
Nessa entrevista, falando aos arranques, tímida, numa voz baixa, guarda o mesmo tom de adolescente que teve, uma adolescente precocemente envelhecida.

Criança, adolescente, mulher – sempre rebelde: guardando em todas as situações a pureza  da criança que foi, mesmo nas maiores loucuras.
A menina mimada, que amuava por tudo e por nada e  e que o pai adorado levava, sentada ao colo, num carro vermelho, para ela aprender a guiar. 


Sentimentos “pequeno-burgueses”? O que é isso? Sentimentos são sentimentos e basta.
A vida dela era como um romance,  um romance triste...
Mademoiselle Tristesse sofria de tristeza, melancolia e sabia escrever sobre isso. E nela havia com certeza uma profunda insatisfação.

“Le mal de vivre” - o mal de viver- acontece, não é uma invenção  da cantora Barbara-  e espreita a cada canto e a cada momento. 


Daí, a sua loucura pelos carros, sobretudo dos carros de desporto, a mania da velocidade, a atracção do abismo, do perigo: os desastres. Em 1957 quase morre no seu Aston Martin..


E a inconsciência da adolescente que era - e o excesso: excesso na bebida, na droga, no jogo, no amor, nas amizades.

Françoise Sagan, cujo nome real era Françoise Quoirez, foi uma escritora francesa. Nasceu em  1935 e morreu em 2004. 

Durante o Verão de 1953, escreveu o seu primeiro romance intitulado "Bonjour Tristesse"- título tirado de um verso de Paul Eluard.


Tem apenas 19 anos e o seu romance vai ganhar em 1954 o Prémio dos Críticos e ela torna-se famosa e rica. 
Silvye Testud

 O filme que Diane Kurys realizou (Sagan) e Silvye Testud interpretou, dá perfeitamente  essa personalidade complexa. Séria e melancólica. Tímida e provocadora. 



A realizadora Diane Kurys nasceu em 3 de Dezembro de 1948, em Lyon, filha de pais judeus polacos que se encontraram num campo de prisioneiros, em Rivesaltes, e casaram. Sobre a vida deles, realizou, há pouco, o filme "Pour une Femme".






A sua carreira começa como actriz na Companhia de Jean-Louis Barrault. No entanto sente que para ela é difícil exprimir-se sob a autoridade de um realizador fosse quem fosse. Aí começa o seu interesse pela realização. 


Alguns filmes de Kurys: "Diabolo-menthe" (1977), "Paixões em Tempo de Guerra" (1983),  "La Baule-les-Pins" (1990),  "Pour une Femme" (2013).



Pour une Femme


Conheço apenas "Sagan", de 2008. Fiquei curiosa de ver outros... 

A terceira mulher, a actriz Sylvie Testud que consegue dar da escritora uma imagem quase fiel, na atitude, na ingenuidade, na timidez e nos olhos inteligentes e, por vezes, tão tristes que eram os de Françoise Sagan. 


Sylvie Testud, ela própria, 2011 


Sylvie Testud, Sagan, 2008 

Sylvie Testud – que nasce em Lyon, em 17 de Janeiro de 71- além de actriz é igualmente romancista e realizadora. 
De 1985, data o seu primeiro papel, com 14 anos, num filme de Claude Miller, L’Effrontée.
Em 2000, entra em La Captive -filme franco-belga realizado por Chantal Akerman- e inspirado em Marcel Proust : "La Prisonnière". 



"Sagan", Sylvie Testud e Pierre Palmade




No livro “Avec mon meilleur souvenir” (éd. Gallimard, 1984), quase um livro de memórias, Sagan fala dos seus livros, do amor pela escrita, "da figura humana inesgotável em todos os seus aspectos, para o bem e para o mal. Nos defeitos, na fragilidade e na força". 

Matéria ilimitada essa a da figura humana... E a dela, claro, incluída na "matéria". E os seus títulos "retratam" maravilhosamente os "sentimentos" dessa matéria: "Bonjour Tristesse", "Aimez-vous Brahms", "Un Chagrin de Passage, "Des Bleus à l'Âme", "Un Certain Sourire", "Toxique", "Dans un Mois dans un An".


Escreve em "Avec mon meilleur souvenir":

« Je découvris que la matière même de toute œuvre, dès l’instant qu’elle s’appuyait sur l’être humain, était illimitée ; que si je voulais – si je pouvais – décrire un jour la naissance et la mort de n’importe quel sentiment, je pouvais y passer ma vie, en extraire des millions de pages sans jamais arriver au bout, sans jamais pouvoir me dire : « J’y suis, je suis arrivée. » 
Je découvris qu’on n’arrivait jamais, que je n’arriverais jamais qu’à mi-côte, à mi-pente, au millième de pente de ce que je voulais faire ; je découvris que l’être humain qui remplaçait Dieu, ou qui ne le remplaçait pas, qui était fiable ou ne valait rien, qui n’était que poussière et dont la conscience englobait tout, 
je découvris que cet être humain était mon seul gibier, le seul qui m’intéressât, le seul que je n’arriverais jamais à rattraper, mais que je croirais frôler, peut-être, parfois, dans un de ces grands moments de bonheur que donne la faculté d’écrire.”

O "mal de vivre" existe, não foi uma invenção da cantora Barbara! E espreita-nos a cada canto, a cada momento. Na entrevista que referi fala de tudo isto, numa voz baixa, tímida, com pequenas gargalhadas: voz de adolescente. Precocemente envelhecida por fora, mas jovem dentro.
Morreu em 24 de Setembro de 2004, quase há 10 anos. Diagnóstico: descompensação cardio-respiratória: enfim, o coração! 
"em cada lago a lua toda
          Brilha, porque alta vive."

E alta morre...


Apresentação do livro, "Un chagrin de Passage":
Sur sa carrière:
 "Avec mes meilleures souvenirs":



7 comentários:

  1. Sempre gostei da Sagan, um dia alguém me disse que me parecia a ela ( fisicamente, claro, porque outra coisa...), como escritora não alcançou a genialidade necessária para passar à posteridade, mas era bem original, mais que muitos escritores medíocres que no momento se vendem com os churros. No filme Aimez-vous Brahms enamorei-me do Anthony Perkins, que logo resultou ser homosexual. A F. Sagan foi uma pessoa muito interssante, coisa que não aconteceu a Fernando
    Pessoa, mas que tudo o que escreve é genial, como os versos que citas. E não te esqueças de fazer o que ele aconselha antes desses: "Sê todo em cada coisa. / Põe quanto és./ No mínimo que fazes."
    Feliz dia, bom finde!

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  2. personalidade fora do vulgar e muito interessante! Claro que ois versos têm de estar todos juntos e "nós" nunca esquecemos esse passo:
    "Sê todo em cada coisa.
    Põe quanto és
    No mínimo que fazes.
    Assim em cada lago a lua toda
    Brilha, porque alta vive."
    Um beijo

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  3. Bom trabalho, MJ
    A chatice preconceituosa dos sentimentos que a muitos atrapalha não sabendo que os sentimentos não são bons nem maus!
    BFS

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  4. Maria João,
    Fiquei com vontade de ver o filme.
    Realmente o que mais me tocou foram os versos que transcreveu.
    Ser todo em cada coisa é a entrega diária mas tem tantos reveses...
    Beijinho. :))

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  5. Nunca li nada dela e gostava de ler, mas não se encontra em português.

    Tenho um pouco de dificuldade em compreender a destruição que as pessoas fazem de si mesmas, quando têm tudo para ser felizes. Às vezes penso que recorrer ao álcool, às drogas, às altas velocidades...destruir-se, é mais fácil que encarar a realidade, que às vezes é muito dura. Quantas vezes temos vontade de largar tudo, por termos demasiadas responsabilidades e um cansaço muito grande? Mas não pode ser! Esse é, na minha opinião, o caminho mais fácil...ou não...mas é de certeza um caminho errado, porque destrói.

    Gostei muito de ler o seu post, claro!
    Um beijinho grande:)

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  6. Tens razão no que dizes, Isabel, mas nem sempre é uma escolha, acho. Um beijinho

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    1. Talvez não, também acho que deve haver uma predisposição para cada um ser como é...não sei...

      Beijinhos :)

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