terça-feira, 31 de março de 2015

Ouvir Keith Jarrett "The koln concert" ...


Keith Jarrett nasceu em 8 de Maio de 1945 em Allentown (USA). Músico: compositor e pianista. Conjuga o jazz com outros géneros como a chamada “música “erudita”, o blues, o gospel etc.

Além de piano, toca igualmente cravo, órgão, saxofone soprano e bateria.
Tocou com Miles Davis, se bem que prefira os "solos".

Albuns:
Solo Concerts, Bremen 1973
Koln Concert (1975)
Sun Bear Concerts (1976), no Japão
Paris Concert (1988)
Vienna Concert (1991)

La Scala (Milão, 1995) 


Keith Jarrett - La Scala

domingo, 29 de março de 2015

QUANDO A FICÇÃO CIENTÍFICA É A REALIDADE… OU VICE-VERSA?


Onde vai o homem? Onde vai parar a sua sede de imortalidade? De poder e de 'melhoramento' a espécie?
Chamam-lhe trans-humanidade: para além da humanidade a caminho da imortalidade?
Há uns tempos alguém me disse: “Se não houver uma paragem, um momento de consciencialização, um dia o homem vai ser substituído pelos computadores. Pelas máquinas. Mas será ainda um homem?”
E continuou: 
Homens que são compostos de pedaços de não-homens. Vais ver! Tens um braço que não funciona? Põe-se um braço electrónico, bem aparafusado. Perfeito!
Entre a ironia e a preocupação, falámos desse futuro (im)provável e louco. Digno da melhor ficção científica, de que ambos gostávamos. Exagero? Preocupação excessiva? Sim, hoje talvez ainda seja excessiva a preocupação.
E daí, sabe-se lá? Poderá haver no futuro um robot-homem? Homens-aves? Homens com peças de máquinas?
imagem de Le Monde
Há pouco tempo descobri um artigo sobre isso mesmo: do que se “prepara” em Silicon Valley e da “filosofia transumanista”.
Li isto: “Se pudéssemos resumir a filosofia transumanista, numa só ideia – a mais extrema e também a mais atraente, seria isto: o homem  deixará de ser um mamífero. Libertará o corpo graças à inteligência artificial e acederá à imortalidade!”

Isaac Asimov

Invenção? Quantos livros de ficção científica apontavam para isso: cientistas-escritores, como Isaac Asimov e outros, vêm-me à memória. Em 1964, Asimov fala do que se passará em 2014 e sabe que existirá a internet, nos termos de hoje, 20 anos antes de ela aparecer.

Isaac Asimov

Os seus livros-saga “Foundation” (de 1966, do qual se fez uma série em 2010, creio) uma trilogia sobre a vivência futura do Homem, baseado numa Ciência que teria desenvolvido o seu herói, a Psico-História (misto de sociologia e informática), junta com a Informática e o Computador.
No entanto, o escritor preocupava-se com esse "risco" e insitia no perigo e em como era importante o homem permanecer "humano"...

Ou o Arthur C. Clarke, outro cientista, criador de "2001 Odisseia no Espaço" (de que Stanley Kubrick fará um filme, em 1968).
Arthur C. Clarke


 “Nos tempos de hoje cada vez mais os “cientistas de Silicon Valley pensam na ideia do ‘homem aumentado’. Têm a certeza de que o homem vai melhorar a máquina e a máquina vai melhorar o homem”.

No semanário francês "Marianne" (no artigo intitulado "Trans-humanidade? Não!") pergunta-se:
"O que é esse falado “transhumanismo”? Evoca-se hoje nos “media” que uma parte dos nossos contemporâneos sonha arranjar o futuro à sua maneira – segundo os planos de uma “aumentação" científica das capacidades do homem, ou transumanidade. Uma ideia, à partida, simples: com tantas invenções técnicas não terá chegado o momento de se ultrapassar o homem? A técnica já “melhorou” alguns de nós…”

~
Le Monde, a Vénus de Botticelli "melhorada"

Ideologia - perigosa “filosofia” do “super homem”- do homem todo poderoso que controla o próprio homem e pode – por que não? - ser o dono do mundo (velho sonho ambicioso de vários loucos que passaram), auxiliado agora pelas máquinas. 
Ó glória de mandar/ó vã cobiça...
Ícaro, de Pier Paolo Rubens

Quantos Ícaros mergulharão no mar, de asas queimadas pelo sol, pernas articuladas e braços a carregar botões, tentando aproximar-se da perfeição dos deuses? 
Quantos Prometeus que tanto quiseram o fogo sagrado da sabedoria ficarão "agrilhoados". Ou largarão as amarras e, soltos das grilhetas e da águia que lhes destrói o fígado lentamente, partirão em novas “odisseias no espaço”?
Prometeu agrilhoado, de Tiziano 

O que passa pelo espírito do homem que o faz esquecer-se do homem?
Falamos de transumanidade…ou da desumanidade, apenas?
Por favor, não mexam na Vénus de Botticelli! Ela é perfeita!



sábado, 28 de março de 2015

Perto da Páscoa, este soneto de Antero de Quental: "Palavras de um certo morto"


PALAVRAS D’UM CERTO MORTO
Botticelli, Adoração da Madalena, pormenor de "Descida da Cruz"



"Ha mil annos, e mais, que aqui estou morto,

Posto sobre um rochedo, á chuva e ao vento:

Não há como eu espectro macilento,

Nem mais disforme que eu nenhum aborto...



Só o espírito vive: vela absorto

N'um fixo, inexoravel pensamento:

«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento

É isto só... do resto não me importo...



Que vivi sei-o eu bem... mas foi um dia,

Um dia só — no outro, a Idolatria

Deu-me um altar e um culto... ai! adoraram-me.



Como se eu fosse alguem! como se a Vida

Podesse ser alguem! — logo em seguida

Disseram que era um Deus... e amortalharam-me!"


In “Os Sonetos Completos”, 1ª edição, Porto, Livraria Portuense,
 1890, pg. 69 (a grafia respeita a da referida edição)

quarta-feira, 25 de março de 2015

"Nuvens da Tarde", de Antero De Quental


John Constable, Nuvens

NUVENS DA TARDE

"Aquelas nuvens, que voam,
Ninguém pode pôr-lhes mão…
São como as horas que soam,
E as aves que em bando vão…
Como a folha desprendida,
E como os sonhos da vida,
Aquelas nuvens que voam…

Às vezes o Sol, que as doura,
Parece à glória levá-las…
Mas surge o vento e, numa hora,
Já ninguém pode avistá-las!
É um convite enganoso,
Um escárnio luminoso,
Às vezes  o Sol, que as doura!

Tantos castelos caídos!
Tantas visões dissipadas!
Gigantes, heróis perdidos,
Que mal sustêm as espadas!
Faz pena ver, lá do monte,
Nas ruínas do horizonte,
Tantos castelos caídos!

Aquelas nuvens, que vemos,
Esses poemas aéreos,
São os sonhos que nós temos,
Nossos íntimos mistérios!
São espelhos flutuantes
Das nossas dores constantes
Aquelas nuvens, que vemos…

Nossa alma vai-se com elas,
À procura, quem o sabe?
Doutras esferas mais belas
Já que no mundo não cabe…
Voando, sem dar um grito,
Através desse infinito,
Nossa alma vai-se com elas!"




ANTERO DE QUENTAL, Nuvens da Tarde, in “Primavera Romântica”

segunda-feira, 23 de março de 2015

Ratinho e Ouricinho e os morangos da Primavera...


Todo o dia tem havido música, brincadeira, cantorias – estavam contentes os amigos. Será que é por ter chegado a Primavera?

- Que sorte!, pensei, ao vê-los. Não têm problemas estes dois. Ah!, melhor seria dizer “estes três” pois a Gatinha japonesa transformou-se numa amiga sempre presente.
Ontem comprei uns morangos muito bons. O Ouricinho disse, a olhar  para eles, encantado:
- São tomates? Posso provar?
 Etsuko, Tomate

- Podes, disse eu. Não são tomates, são morangos.
- Têm a mesma cor vermelha…
- Isso não quer dizer nada, interrompeu o Ratinho. Olha para a  maçã onde estás sentado: vermelha. E as maçãs não são tomates...

O Ouricinho ficou irritado, mas não mostrou.
- Ah, então vou provar.
Provou. Agitou a cabeça.
- Uma delícia! Melhor do que o tomate!
- Diferentes, meu palerma. Um é doce o outro não…
- Mas são todos leucopénios ou não?
- Haha! Leucopénicos? Diz-se licopenos!
Tornava-se irritante  o  Ratinho com as suas lições sobre tudo. Atalhei:
- Sim, ele tem razão, todos os frutos de cor vermelha têm ‘licopenos’ que são um tipo de ‘carotenóides’. Fazem bem à  saúde! Protegem-nos das agressões exteriores.
- São anti-oxidantes! Cerejas e groselhas e todos os frutos encarnados...  
O Ouricinho interrompeu-o:
- Vês que eu sabia! Só que me enganei no nome. Mas as cerejas ainda não chegaram. E há as ginjas ainda! Dessas não falaste tu!
flor da cerejeira

- Claro, as cerejeiras só agora começaram a dar flores!
O Ouricinho insistia:
- O tomate também tem dessas coisas dos carotenóides?
Quando começam com perguntas e dúvidas põem-me a cabeça à roda. Vejo-me aflita. Não me deixam concentrar no que estou a escrever. Desorientam-me. E não se calam!

- Sim, Ouricinho. Tem licopenos, tem.
Devo ter respondido num tom impaciente, porque ele reagiu logo.

- Incomodamos-te? Não nos queres aqui ao pé?...
- O que estás a escrever?, perguntou o Ratinho.
- Nada de especial. Escrevo umas coisas. Interrompi:
- E a Gatinha japonesa onde anda?
- Está a ler. Não quer que a incomodem.
E o Ouricinho espreitou para o fundo da sala. Lá estava ela, atenta, com um livro ao lado. Tinha pousado a mala e concentrava-se na leitura.

- Está a ler uns “haikais”... 
- Haikais ou "haikus"?, perguntou o Ouricinho, sempre curioso. 
- Pode dizer-se das duas maneiras. Mas olha que o Ouricinho tem razão. Não nos ligas nenhuma. Escreves, escreves no computador. Pareces uma dactilógrafa…
- Não pareço, quem me dera parecer! Só escrevo com um dedo de cada mão…
- Escreves muito bem!, disse o Ouricinho.
Tinha que ir dar-lhes atenção e mimo. Arranjar os morangos. Conversar disto e daquilo. Fomos para a cozinha os três arranjar os morangos.
 "A Gatinha não entra nesta história porque não quis vir connosco", ia eu a pensar.
- Este ano não vais ter azeitonas como no ano passado. Lembras-te, ó Poeta? Eram bem bonitas. E boas!
a oliveirinha da varanda 

- Pois é, a nossa oliveirinha da varanda "pifou"...
- "Pifou"?, perguntei eu. O que é isso?
- Hahaha! Não tem quase folhas, e as que tem estão amarelas. E não vais ter azeitonas! A culpa é tua que não as regaste!

O Ratinho tinha razão. O Inverno foi duro e eu não ia à varanda regar as minhas plantas. O Ouricinho saltitava à roda de um morango que escapara à faca.
- Que bonito este moranguito… Parece um boneco. Com umas folhinhas verdes na cabeça como se fosse um chapéu.
- Sim, concordei. Parece mesmo um chapéu feito de folhinhas verdes!
- Ou uma joaninha...
O Ratinho não disse nada. Devia achar-nos ridículos com aquela conversa do moranguinho com um chapéu na cabeça. No entanto, olhava para os morangos, que eu ia pondo na taça, com um ar guloso.
- Estão prontos e cheios de açúcar! Vamos para a mesa?, perguntei.
- Vamos!, entusiasmou-se o Ratinho Poeta.
- Vamos! 
Era a Gatinha japonesa que viera, sorrateira, e tinha estado a espreitar o tempo todo.
- Não guardas nenhum para o Manuel?
O Ouricinho era um sentimental!...
- Não sei. Se sobrarem. Quem não está cá, não come…

Riram-se às gargalhadas os dois, em cima de uma cadeira. Assim os morangos ficavam só para nós. Quero dizer, para eles! Era o que estavam a dizer um ao outro?


(*) Quem não sabe, aprende… Por isso aqui está um link que explica tudo: não, os frutos vermelhos de que falamos aqui não têm licopeno! Que, sim, está presente no tomate, no mamão e na melancia, por exemplo.
Não impede que tenham carotenos. O que lhes dá a cor vermelha é a antocianina, outra substância anti-oxidante também! Agradeço o aviso de uma pessoa amiga!

sábado, 21 de março de 2015

Dia da Poesia: uma poesia, um Poeta!



e escolho o pintor John J. Waterhouse

~MANHÃS BRUMOSAS ~

"Aquela, cujo amor me causa alguma pena,
Põe o chapéu ao lado, abre o cabelo à banda,
E com a forte voz cantada com que ordena,
Lembra-me, de manhã, quando nas praias anda,
Por entre o campo e o mar, bucólica, morena,
Uma pastora audaz da religiosa Irlanda.

Que línguas fala? A ouvir-lhe as inflexões inglesas,
- Na névoa, a caça, as pescas, os rebanhos! -
Sigo-lhe os altos pés por estas asperezas;
E o meu desejo nada em época de banhos,
E, ave de arribação, ele enche de surpresas
Seus olhos de perdiz, redondos e castanhos.

As irlandesas têm soberbos desmazelos!
Ela descobre assim, com lentidões ufanas,
Alta, escorrida, abstrata, os grossos tornozelos;
E como aquelas são marítimas, serranas,
Sugere-se o naufrágio, as músicas, os gelos
E as redes, a manteiga, os queijos, as choupanas.

Parece um rural boy! Sem brincos nas orelhas, 
Traz um vestido claro a comprimir-lhe os flancos, 
Botões a tiracolo e aplicações vermelhas;
E à roda, num país de prados e barrancos, 
Se as minhas mágoas vão, mansíssimas ovelhas, 
Correm os seus desdéns, como vitelos brancos.

E aquela, cujo amor me causa alguma pena,
Põe o chapéu ao lado, abre o cabelo à banda,
E com a forte voz cantada com que ordena,
Lembra-me, de manhã, quando nas praias anda,
Por entre o campo e o mar, católica, morena,
Uma pastora audaz da religiosa Irlanda."

Cesário Verde, em O Livro de Cesário Verde

E deixo a Balada Irlandesa que Cesário poderia ter imaginado...

sexta-feira, 20 de março de 2015

José Régio e o poema "Sabedoria"

José Régio foi um poeta extraordinário! Conheci-o bem. Foi meu professor e meu amigo. Um dia destes vou contar umas coisas desse conhecimento ...
Van Dongen, Estrelas (1912)

"Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.”


SABEDORIA 

“Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança…
E venha a morte quando
Deus quiser.

Dantes, ou muito ou pouco,
 Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.

Hoje, é que nada espero,
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
 Só de longe, e secreto, é que inda posso amar…
E venha a morte quando Deus quiser.

Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.”

José Régio (*)“A Chaga do Lado


(*) José Maria dos Reis Pereira nasce em17 de Setembro em Vila do Conde onde morre, em 22 de Dezembro de 1969. Poeta, dramaturgo, romancista, novelista e contista, ensaísta e crítico, foi também o director da famosa revista literária “presença”, criada em 1927, em Coimbra, 
Vista da janela da casa de Portalegre

De 1941 a 1966 vive em Portalegre, onde ensina Português e Francês, no Liceu Mouzinho da Silveira, depois chamado Liceu Nacional de Portalegre.
 uma linda "Pietà", na Casa de José Régio

Pintor, desenhador, foi igualmente um apreciador de Arte Sacra.
Na sua casa de Portalegre – hoje Casa-Museu- está patente essa colecção - uma paixão!- feita ao longo da vida, por vezes com muitas dificuldades económicas.




quinta-feira, 19 de março de 2015

O meu pai... e eu.

"Eu vinha a correr desde o pinhal. Era noite e tinha medo. Mas, na varanda, ao cimo das escadas, coberta de glicínias e da folhagem vermelha da vinha virgem, o meu pai lia, sob uma lâmpada. À volta dele giravam as borboletas da noite e as grandes libélulas. Eu sorria, ao vê-lo. O meu pai estava ali. Tudo estava bem!"




"Nasceu numa casa simples com um quintal à volta. Veio para a cidade e viveu, com os irmãos e os meus avós na rua de Santo André." 


manifestação de estudantes, em Lisboa, durante a revolta da Madeira (1931)

com a minha mãe



na quinta dos meus avós 

num Verão, na Serra

o deslumbramento, perante a Vitória de Samotrácia

na quinta, a ler, como sempre...

"Espreitava-o, curiosa, via as mãos grandes que pegavam nas folhas com delicadeza ou sublinhavam com a caneta alguma coisa, riscavam o livro, anotando o que ia lendo.
Por vezes, absorto, dobrava o canto das folhas, ora em cima, ora em baixo, sem ter consciência do que fazia, na vontade de tudo fixar, embrenhado na leitura e esquecido de mim."
Era Paris e a Torre Eiffell ... 

 com os irmãos

uma certa melancolia 
e o entusiasmo da leitura